sexta-feira, 25 de abril de 2008

Bem vindo à selva

Gente moderna, óculos esquisitos, casacos vintages e a música que cambiava entre um reggeaton, cumbia e eletrônicos da moda - misturados com qualquer coisa que não fizesse muito sentido para pessoas ordinárias. O cenário era a Aliança Francesa de Montevidéu e o evento, o lançamento da revista Belvedere, uma publicação de distribuição gratuita, de diagramação e designer classe A e que trazia anunciantes poderosos, o que dava uma certa credibilidade ao produto. Cheguei com Graciela, amiga uruguaia que foi apresentada informalmente através do, cada vez mais empírico, mundo virtual por Soledad, prima de Adriana, esposa de Paco Garcia (vulgo João Erbetta), vocalista, guitarrista e amigo do trio paulistano Los Pirata.

O lugar: climão modernoso, hype, cheiro de maconha, telões estilosos, música confusa e gente que não escapava ao olhar avaliador de um cidadão qualquer no centrão da cidade. Lá, fui finalmente apresentado à Soledad e Vanessa, amiga da dupla. Demos um rolé, sacamos o clima nariz empinado do ambiente e paramos para conversar lá fora, para eu poder empinar um Parliament no pulmão. Falamos sobre meu portunhol horroroso, trejeitos entre os dois idiomas e eu puxei assunto sobre o cinema uruguaio. Falei de El Baño del Papa, Whisky, Hit e Matar a Todos, tudo ao que se resumia meu conhecimento sobre a produção audiovisual deste país. Elas pasmaram ao saber que Whisky passou em Belém e disseram que o produtor de El Baño del Papa estava no recinto.

Fui ao banheiro. Um uruguaio, que esperava um dos dois sanitários desocupar, puxou assunto sobre o meu brasileirismo. Dá um orgulho fudido falar que sou de Belém e localizar como a região amazônica. O cara perguntou se eu vivia na selva. Era o que eu queria ouvir para soltar um “Mire en mí. Yo pareço con una persona que habita en la selva?”. Ele se encabulou ao fitar meu estilo urbano. O cara que saiu de um dos sanitários, antenado na conversa que rolava do lado de fora, abriu o casaco, mostrou a camisa que vestia por baixo e falou: “Legião, hã?”. Diplomaticamente, balancei com a cabeça concordando que era uma grande banda.

Saindo do banheiro e indo ao encontro de Soledad e Graciela, Vanessa me apresentou a uma pessoa e eu só ouvi um “tambien es brasileiño”. Mônica Zanocchi, brasileira com feições sulista, me surpreendeu ao dizer que vivia em Fortaleza, apesar de nascida no Rio de Janeiro. Simpática até as pontas dos cabelos cacheados, Mônica falou sobre o seu percurso até Montevidéu. Filha de uruguaios, ela havia fixado residência na cidade sede do Mercosul há três anos e agora escrevia sobre moda, além de alimentar um blog, que disse ter sido um dos grandes passos para chegar até lá. Botei fé. Guria gente finíssima e que quase foi às lágrimas ao falar de Chico Science.

Me senti em casa em Montevidéu. Travei conversas com pessoas que gostavam das mesmas coisas que eu e pude, finalmente, colher informações sobre a cena musical da cidade e saber quais seriam meus paradeiros nos próximos dias.

Fomos a um bar chamado Living Condons. Gostei do cardápio, apesar deles anunciarem um Jim Beam e um Jack Daniels que não existiam na adega. O som passeava entre The Clash, Kinks, The Killers, Radiohead e Red Hot Chilli Peppers. Foi o tempo de duas doses de red label - que tive que aprender a pedir por “Johnny Rojo” - e descobrir que Soledad era a dona do cãozinho Pancho, que inspirou a minha música favorita dos Los Pirata, o que me remeteu imediatamente ao verso de extrema identificação: “Ahora estraño mi casa pero estoy feliz aqui”.

O Uruguai é foda e não vai ser fácil voltar pra casa.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Os clipes que ninguém faz


“Conheci você em movimento. Uma segunda-feira faz cem anos. Primeiro te beijei, depois te espetei. Você é tudo pra mim, você é a cor do sol, da cor de um carrossel”. Primeira estrofe da música Carrossel, de Cadão Volpato, vocalista da extinta e cultuada banda paulistana Fellini, que lançou no ano passado seu primeiro disco solo chamado Tudo que eu quero dizer tem que ter no ouvido. O disco encabeça minha lista como a primeira trilha sonora para longas caminhadas durante a tarde em Montevideo.

Minimalista que só ele, Cadão Volpato apresenta um trabalho em que se imagina a apresentação ao vivo mais intimista do mundo. Acompanhado apenas de sua guitarra, muitas vezes sem efeito nenhum, com raríssimos arranjos de terceiros (como uma guitarra “cósmica” em Hino da minha bandeira), o disco é um recado dado ao pé do ouvido, que entrega a intenção de Volpato. Calmo, com a voz grave e, por vezes sussurrada, Cadão fez um dos discos mais incríveis que ouvi nos últimos tempos. Lembro do amigo Alex Pinheiro - DJ veterano de Belém , enciclopédia musical e lobo solitário – ter me comentado sobre o álbum no ano passado. Um disco de MPB com toques de bossa nova e rock que passaria longe da coleção de um fã ortodoxo da “verdadeira” música brasileira.

Na volta pela avenida 18 de Julio, em meio às cagadas de um centro urbano, gente apressada, camelôs e policiais armados, que sempre parecem truculentos entregando malotes de dinheiro em bancos, a calmaria diminuía meus passos no decorrer de cada canção de Tudo que eu quero dizer tem que ser no ouvido. E como um cronômetro feito sob medida para a minha alma, o disco acabou justamente quando cheguei na esquina de minha casa. Guardei o fone, comprei o jornal e subi para enaltecer sua obra através destas palavras.

Não sei se por um sentimento nostálgico, mas a música que tem alimentado minhas caminhadas pela capital uruguaia tem sido a brasileira. Tentei um Supergrass outro dia, mas tirei na terceira música, sei lá, achei anti-climax. Jards Macalé, Gal Costa e Curumim me acompanharam nos outros passeios. O movimento de pessoas que cruzavam por mim pelas ruas parecia ser embalado pela música do país vizinho, e isso era tão improvável de se sentir que proporciona videoclipes fantásticos, desses que nenhum profissional de audiovisual é capaz de traduzir.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

E mais...

6.

- Eu te amo.
- Jura?
- Sim.
- Ah, então não quero mais.



7.

E todos aplaudiram a música que lhe salvou do suicídio.



8.

Defendeu sua moral até o dia em que se cagou no palanque.


9.

O autor ficou feliz ao achar seu primeiro livro, 16 anos depois, naquele sebo famoso no centro da cidade. O livro já havia passado pela mão de 79 pessoas. Todas acharam uma merda.


10.

- Me compra essa arma, mãe?
- Isso estimula a violência. Escolha outra coisa.
- Mas é de brinquedo, mãe!
- Não!
- Tu és muito chata. Se eu pudesse, te matava, mamãe.

Tag lines da vida real

1.

Rio de Janeiro, três meses.
Porto Alegre, sete meses.
Cuiabá, quatro meses.
João Pessoa, cinco meses.
Belo Horizonte, dois meses.
Quando ele voltou a Belém, Isabela já estava cansada de esperar e se hospedou definitivamente nos braços de outro.



2.

Brincavam desde criança.
Ele virou taxista.
Ela, modelo.
Numa corrida ela lhe deixou o troco.
Ela a reconheceu, contou as moedas e se encabulou de reclamar que era pouco.



3.


No outro dia acordaram sóbrios.
E então vieram as lágrimas.
Só secaram quando se conformaram de que aquela teria sido a última vez que transaram.



4.

Levou três anos para pegar no peito, mais quatro para transar, 23 anos para fazer sexo anal e três meses para pedir o divórcio.


5.

Quando finalmente montou sua banda de rock, teve vergonha de cantar suas mágoas.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Amor na ponta do escovão

A menina de 17 anos voltava da escola para casa em um ônibus junto a uma amiga gorda. O ar melancólico que carregava se confundia com o astral natural da cidade. Poderia ser tristeza, assim como tédio. O ônibus também transportava passageiros que vinham do trabalho ou iam para qualquer lugar que os fizesse mais vivos – um curso de música, informática, universidade ou a casa de um amigo ou namorada. Sorrisos são tão incomuns e conversa entre dois passageiros mais raras ainda.

Em um sinal fechado, limpadores de parabrisa festejavam qualquer coisa. Irônica a euforia de quase-vagabundos do lado de fora, lutando por qualquer centavo em uma tentativa digna de ganhar dinheiro. Havia mais sorrisos do lado de fora do coletivo do que dentro. Num gesto espontâneo e de uma malandragem fora do comum na capital uruguaia, um dos limpadores de parabrisa estende o escovão e desenha um coração na janela da menina e de sua amiga gorda. Um sorriso tímido, avermelhado e tentando conter pudores deu àquele trabalhador informal uma nova graça ao dia. Talvez fosse um galanteio comum, mas que trouxe uma vida nova ao olhar dos passageiros do bonde. Pessoas se olhavam com um sorriso de surpresa que parecia raro naquela situação.

“Não se assuste, pessoa, se eu te disser que a vida é boa”. Gal Fatal cantava no fone. Há cenas reais que nenhum videoclipe ou cena de filme são capazes de reproduzir.

Em Montevideo, as pessoas parecem não se importar em terem sido esquecidas pelo mundo. Com o sexto maior índice de suicídio do mundo, existem gestos que renovam o ser humano, mesmo que seja por alguns minutos.

Onde os sonhos dão o papo

13 de março de 2008

Acordei eufórico. Uma alegria explosiva vinda de um sonho bom e a vontade de comer uma colega aí. A data do texto é essa mesmo, ainda estava em Belém cumprindo aviso-prévio e com a vontade de me mandar urgentemente. Na noite anterior fui acometido de uma insegurança e uma pré-angústia em largar todo o conforto da minha vida para me dedicar a um projeto que, sob os olhares de uma vida convencional e com os “pés no chão”, carrega um ar romântico, um devaneio da vida moderna presente somente em filmes americanos que retratam a angústia urbana.

(Às vezes eu acho que Deus dá algumas demonstrações de zelo pela raça humana e apoia decisões com cara de fajutas como a minha)

Era um sonho:

O cenário era Algodoal, a baratinada ilha bucólica que fica a três horas de Belém (de carro) e uns longos minutos de uma tortuosa travessia. Lá aconteceria um grande evento do qual eu, como produtor, havia sido convidado para assistir a algumas apresentações. Na chegada, me acompanha casualmente uma colega aí (a da vontade de comer) que estudou comigo no colégio em 1994, depois nos cruzamos pela faculdade e até fizemos uma viagem dessas (de universitário) juntos. Ela andava ao meu lado e nos auto-falantes do meu sonho - com a câmera acompanhando em take one – eu fazia uma narrativa tão brilhante que me fez duvidar piamente de que os sonhos são aquelas maluquices das obras do Dali e dos filmes do Buñuel. Só que, como todo filme e livro, sonhos também são interrompidos. Nesse caso por um despertar inconveniente. De qualquer maneira, eu não estava procurando desfecho nem uma intervenção do além.

Tenho uma relação mística com livros. Acho que eles vêm parar na minha mão na hora certa. Deixo-os à escolha do destino. Com cinema e música não. No caso dos sonhos, quem dera que pudesse escolher o que sonhar. Dormiria com o roteiro prontinho, escolheria o tema, o elenco e deixaria tudo num pacote em cima do par de tênis, esperando o Papai Buñuel. Assim, o despertar de toda a humanidade seria como foi o meu: eufórico, feliz e com vontade de comer alguém.

A felicidade é uma margarida negra nas mãos de um psicopata. Se o sangue das páginas policiais iria estancar eu não sei. Se a polícia viveria só de freela no horário do expediente, tanto faz. O mundo estaria caminhando para o fim de tanta perfeição. E isso seria uma merda.

Se desse para escolher a viagem dessa noite, queria uma aventura afro-erótica com uma negona selvagem. Pode deixar a direção comigo, mestre. Só me joga o enredo.

Bons sonhos.