domingo, 17 de janeiro de 2010

Uma vida de fetiche



Em 1996 me tornei um fã de uma penca de bandas desconhecidas para a maioria das pessoas. Não foi uma escolha para me deixar com um ar de superior. Já estava meio cansado de tudo o que a MTV, revista Bizz e a rádio Transamerica me apresentavam e fui atrás de um som pra chamar de meu. Daí recorri às indicações do Fábio Massari que eu lembrava no programa Manifesto MTV, que assistia antes de ir pra escola em 1993, 1994. Na época não tinha a menor maturidade para assimilar aquelas maluquices e me tornar esquisitão da escola.

E aí depois de concluir o segundo grau, passei a freqüentar as lojas de discos importados e de raridades, gerenciadas por pessoas que manjavam do negócio e tinham aquele ar superior que eu achava que era coisa da minha cabeça. Isso até ler Alta Fidelidade em 1999. Foi quando aquilo tudo começou a fazer sentido. E comecei a fazer dos discos e filmes o meu tesouro pessoal.




Pertenço a uma categoria de pessoas chatas, exigentes, implicantes e com a paciência sempre no vermelho. Não gosto de muita gente e a maioria delas não sabe disso - sou falso com quem merece. O fato é que essa negação ao óbvio talvez tenha me tornado uma pessoa assim. Havia uma pré-disposição que estava embutida na inquietação de procurar bandas com vocais baixos, guitarras acima do normal, melodia pop e capas de disco fora do padrão. Foi assim que gamei no shoegazer inglês, no powerpop americano e nas esquisitices de Pixies, Flaming Lips e Pavement.


  Pixies: O Frank Black até que era bonito

Em 2000, quando morava em santos e passei a participar de lista de discussões por e-mail para fãs do estilo, anônimos no convívio social, tive contato pela primeira vez com a designação “indie”, dada aos que curtiam aquelas bandas. Claro, no alto da rebeldia dos meus inabaláveis 22 anos eu neguei tudo isso e passei a dizer que quem gostava daquele tipo de música não podia ser rotulado. Bobagem, é claro que podia.


Flaming Lips: Esquisitos na época e cool agora


Entrei na faculdade, me formei e trabalhei para ganhar dinheiro e alimentar aquele vício por CDs, livros e, mais para frente, DVDs. Com o passar dos anos passei a me desplugar de um estilo só e comecei a consumir de tudo sem medo de errar. Indo de Jesus and Mary Chain a Bob Marley, de Matthew Sweet a cúmbia. Por um bom tempo, destinei 40% do meu salário para comprar discos e DVDs. Arrumo minhas prateleiras com um certo orgulho, apesar das compras ficarem cada vez menos freqüentes – não tem como lutar contra a conexão banda larga e os HDs externos da vida.




Meu amigo Leonardo Aquino está indo embora para estudar no exterior e fez um bazar de algumas de suas coisas para vender e arrecadar um troco para sustentar sua nova vida. No arquivo Excel que ele mandou tinha cerca de 150 objetos pessoais, comprados ao longo dos anos e ocupando o precioso espaço de nossas prateleiras. Reconheci entre alguns itens coisas que eu, mais atendo e apertado de grana, jamais compraria. Mas por outro lado, tinha outras coisas que eu não iria me desfazer com tanta certeza. O que me fez refletir sobre o que seríamos nós sem nossos discos e livros? Tudo bem que a gente vai e eles ficam, mas enquanto respiramos, a quem vamos recorrer quando lembrar de uma música legal e constatar “put’z, eu tenho esse CD!”? Ou numa noite de insônia pegar um Scorcese para rever? Ou mostrar para um amigo ou namorada aquele filme que mudou sua vida?


A grana tá fraca, o download está fácil e estamos ficando velhos. Não temos mais espaço para colecionar impulsos mal calculados. Mas acho que a minha geração foi a última a separar uma grana para comprar aquela edição especial de aniversário, um box com vários CDs especiais ou qualquer disco que, no momento em que bater os olhos, saber que aquilo fez de você quem você é.

3 comentários:

Iana disse...

Esse final dramático foi quase no estilo dos meus textos. Mas uma dúvida pairou aqui depois de ler um dos parágrafos. Tu gostas de mim, afinal? Rs.

Angelo Cavalcante - disse...

Putz... deu vontade de fazer uma trajetória da minha vida de fetiches, também.
Esse texto me lembrou tanta coisa.
Ainda guardo uma graninha, hoje mais para dvds (que são consumidos aos montes,principalmente docs), mas não abandonei os cds que realmente ficaram mais raros, mas ainda existem.
Lembrei também que tenho que responder ao e-mail do Léo.

Isoldinha disse...

Po..eu baixo coisa pra caramba e ainda compro CDs, DVDs e livros..realmente os primeiros com menos frequência..Eu ainda adoro a sensação e o cheiro dessas coisas novas, pegar o encarte...Tens razão, somos a última geração!