quarta-feira, 7 de setembro de 2016

NAS ASAS DA BORBOLETA


Eu devia ter 18 ou 19 anos na época. Nos anos 1990 tudo o que tínhamos em Belém eram lojas de conveniência em postos de gasolina, pequenas festas em casas de amigos - quando os pais viajavam, uma leve queda por poesia e uma singela coleção de CDs de ídolos extemporâneos. A música, no entanto, era o combustível que se lambuzava entre latinhas de cervejas e ervas inocentes.

Eu, Randy, Gustavo, Vinicius Cohen, Sérgio Bernadelli, Paulo Roffé e mais uma corja de melhores amigos em processo de formação - e alguns que não chegaram a tanto mas ainda se mantém no fiel cantinho da memória - corríamos atrás de pequenos movimentos culturais, heroicas sessões de cinema que driblavam o circuito comercial e shows. Procurávamos shows de bandas, cover ou não. 

E graças a esse "ou não", uma ocasião bem marcante se alojou no meu subconsciente numa tarde de domingo, na praça Batista Campos. Já corríamos regularmente atrás de shows d'A Euterpia e vimos o quão verdadeiro foi o surgimento daquela banda, que tinha Marcio Pato, Antônio Novaes (o outrora "Neto Da Euterpia"), Felipão, Dênis, Bruno Nogueira e Japa em sua primeira formação. O quanto aquela coisa inocente, nascida do tédio em uma cidade sem uma cena musical tão prolífica quanto a de hoje, poderia ser tão marcante e ter determinado - sem mesmo que eu soubesse - o que escolheria para a minha vida.

Naquela tarde, o comentário era sobre uma garota de 16 anos, recém chegada de São Paulo, que integraria a banda e dividiria os vocais com Felipão naquele show improvisado no coreto da praça. Magrinha, linda, tímida, descalça e com asinhas de borboleta pendurada nas costas, Marisa Brito metamorfoseou para um caminho que talvez nem ela soubesse também. E virou paixão, aquela coisa da obsessão e meta de vida. Quando a pessoa nasce para a coisa a gente sabe. Até os mais céticos se rendem, mesmo que em silêncio. 

Marisa Brito tocando no Old School Rock Bar, no projeto Sing Songwriter


Na noite de 6 de setembro de 2016, na mais lotada edição do projeto Sing Songwriter, no Old School Rock Bar, a emoção da primeira apresentação intimista que vi de Marisa ao vivo me deixou aceso e arrepiado depois de um dia exaustivo de trabalho - e ainda por cima sem poder beber. Pra mim, na música o que me envolve é a emoção e ver o quanto aquilo é verdadeiro. Isso me ganha de tal forma que dispenso hypes com uma intolerância que até precisa ser controlada, confesso. 

Desculpe meu francês, mas Marisa canta para caralho. Era pra ser uma resenha bonita, respeitosa e, diria, até poética. Mas foda-se, desci o nível. É o timbre incrível atingindo nota por nota, penetrando no coração. É a interpretação visceral que evidencia uma entrega. É a escolha de repertório, o sorriso, a simpatia. O ar condicionado mesclando frio e emoção arrepiou ainda mais minha barba com a belíssima Por trás do desenho - composição em parceria com Ana Clara - e Coração na boca, em parceria com Marcel Barretto e Pietro, com o verso certeiro: "me beije com o coração na boca, nunca com os pés no chão". 

E na mesma noite em que lançamos a programação da 11ª edição do Festival Se Rasgum vi que minha escolha de vida, meus melhores amigos e tudo que acontece de bom na minha vida veio da música. As asas da borboleta me lembraram disso.

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