terça-feira, 27 de julho de 2010

Sem retorno ao remetente

Quanto mais se tem a falar, mais rápido correm os ponteiros do relógio. Quando o fluxo de pensamentos e novas opiniões – que só interessam a você - se acumulam na caixola, a vida passa e algumas coisas ficam ditas pela metade. Como uma carta que nunca chegou. Ou como uma carta que demora para chegar.



No último domingo, esperando um saboroso tucunaré em um restaurante de Marabá, a maioria das pessoas me acompanhavam na mesa estavam quietas, de cabeça baixa e fuçando seus celulares. Twitter e e-mail nas telinhas dos aparelhos que outrora somente nos enchia o saco. E aproveitando a grande onda tecnológica, caí em um link de uma matéria publicada no Portal G1 sobre uma carta que foi entregue com um atraso de mais de 70 anos. Foi nos Estados Unidos que o correio deu essa mancada. A correspondência era de 1937, e só chegou às mãos dos descendentes da remetente há cerca de duas semanas, na California.

A história me comoveu. Logo depois disso, alguém na mesa falou sobre esse silêncio causado pelos brinquedinhos que tocam música, fazem conta, passam filme, dão acesso à internet e ainda pode fazer ligação. E eu, ainda ressabiado da ressaca da noite anterior, entornei uma Coca Cola e passei a avaliar essa introspecção da era 3G com a notícia que acabara de ler. A carta que não havia sido entregue era para uma jovem que, na época, estudava para ser freira, mas que depois abandonou o hábito. O convento, que depois virou um “Centro da Mulher”, era o local onde a jovem noviça vivia na época, há 73 anos. Foi do Centro da Mulher que a carta foi encaminha à família dela, e quando se descobriu que ela já havia falecido.

Na minha cabeça, comecei a querer ver ironia na situação, traçar paralelos e refletir sobre esse lance de uma mensagem que deixa de chegar, de recados que não são dados por inteiro. Mas desisti disso tudo e resolvi ficar apenas na comoção da notícia.

Sorri por ver que, mais uma vez, a realidade imitou a ficção. Nesse caso a minha ficção. Na minha história, a porra do “Iracundo” (tinha jurado que ia parar de falar nisso até ser publicado), a reviravolta é justamente uma carta que nunca foi entregue, um recado que nunca foi dado, a saudade que já se petrificou e a mudança que esse silêncio causou.

Sempre bate aquela sensação de que as conversas presenciais serão apenas para acertar o que o virtual já avisou. E assim viveremos em paz com o correio eletrônico e sem intervenções causadas por uma falha no envio de uma carta, que pode tanto mudar uma vida, como tornar as coisas ainda mais fáceis.

E assim ficou eu, sem conseguir tempo para atualizar minhas Cartas Uruguaias.