quarta-feira, 19 de junho de 2013

Machu Picchu


 Faz tempo que não devoro romances com a voracidade que devorei Machu Picchu, de Tony Bellotto. Havia lido seus dois primeiros romances policiais no final dos anos 90, do detetive Bellini, depois nada mais. Naquela época, a narrativa e o humor do autor já me chamavam a atenção. Em Machu Picchu encontro uma dedicatória a Reinaldo Moraes, um de meus autores favoritos, e penso “merda não deve ser”. Dei a dica – sem querer - em uma feira de livros à minha namorada e ganhei um exemplar de dia dos namorados. Levei metade de duas manhãs para concluir a leitura e, no final, dar um tapa na capa de livro e falar em voz alta “Do caralho! Que puta livro!”.


Não tem jeito, meus autores favoritos são contemporâneos, vivem as mesmas coisas que eu, enxergam entrelinhas em comportamentos urbanos e referenciam uma coisa ou outra de cultura pop para rechear o enredo. Mas principalmente, gosto da literatura que faz rir. Um livro é o melhor lugar para se expor sentimentos verdadeiros, observações contundentes e, por que não?, utilizar humor, afinal, ser engraçado escrevendo é um desafio – que eu adoro.


Machu Picchu se passa em um único dia, no maior congestionamento de trânsito do Rio de Janeiro, e é narrado em três frentes: o advogado que bate uma bronha pra uma gostosa de 19 anos pelo Skype, uma esposa que cultiva um amante há seis meses e o filho maconheirão que tem como guru um traficante hipponga engraçadíssimo. Ainda que Machu Picchu seja eletrizante até mais da metade e que, depois enverede por um enredo quase novelístico de TV, o livro conclui bonito, como um autor experiente que domina muito bem sua narrativa.



Tony Bellotto, mais uma vez, mostra que é muito mais do que guitarrista dos Titãs e marido da Mallu Mader. Mas isso já devem ter falado pra caralho.


sábado, 1 de junho de 2013


TRAGO ESSA ROSA

“Se o guitarrista de apoio quebrasse a mão, como no De volta para o futuro, eu poderia subir lá e tocar o show inteiro com eles. Sei tocar todas essas músicas.”, disse à Ana Clara na metade do show do Jesus and Mary Chain, banda que me fez decidir de uma vez por todas ir ao Primavera Sound 2013, em Barcelona. Não sabia como estava minha cara, mas ela me disse que era sorriso de ponta a ponta. Não lembro de sensação igual, talvez no show do AC/DC, que estava a 1 km de distância. Mas naquela sexta-feira, 24 de maio de 2013, os irmãos Jim e Willian Reid estavam a menos de 10 metros de mim cantando todas aquelas músicas que escuto e venero desde os 17 anos. Estavam todas lá Head on, Far gone and out, Sidewalking, Some candy talking, Happy when it rains, Taste of Cindy, numa simpatia incomum de Jim Reid, e no tiozão Willian, equipado de sua semi-acústica e dois amps e cabeçotes da Orange - tudo o que o ser humano precisa pra ser feliz.

Bilinda e Jim Reid em 'Just like honey'. Quem viu, viu...


E se na volta do Jesus and Mary Chain, há alguns anos no Coachella, eles tiveram a presença da Scarlett Johansson em Just like honey, no Primavera Sound a mesma música teve a participação da Bilinda Butcher, do My Bloody Valentine. Chupa, Coachella! Não saberia comparar os festivais, mas só de ver algumas revoltas contra os Stone Roses dos fãs do festival californiano, acho que minha simpatia está toda para o lado do Primavera Sound. Ambos tiveram line ups bem parecidos em 2013. Primavera teve Jesus and Mary Chain e My Bloody Valentine, eles tiveram Stone Roses. Mas, vamos lá, Primavera Sound é em Barcelona, uma das melhores cidades do mundo.

Quando estava de frente para aquele show, vi que muito da minha ida à Espanha tinha sido pelo Jesus and Mary Chain. E ainda de quebra tinha a coisa toda de estar na Espanha com a mulher amada, vendo os melhores shows de sua vida, comprando toneladas de discos e encontrando amigos com objetivos semelhantes. Meu turismo sempre foi impulsionado pela música. Agradeço demais à Ana Clara ter me levado aos museus de Picasso e Miró e à exposição surpresa de nosso novo artista favorito, o espanhol Chema Madoz. É o bem que faz a união.

Os irmãos Reid, aqueles que fizeram toda a diferença pro meu rock 'n' roll

E ela lá, me aguentou no frio esperando o show do My Bloody Valentine. Sentamos em duas cadeiras esperando o show e tentando nos proteger do frio que doía nos ossos. Quando começou, assistimos bonito à primeira música lá de trás. Até que veio uma daquelas coroas cheiradas, acompanhada de outro velho trincado, pegou as cadeiras que dispensamos e subiu pra assistir ao show. Eu cutuquei e falei “minha tia, por favor, né?”, e ela fez gesto de que ficaria só um pouco. Ficou a próxima música, na seguinte e na seguinte. Cutuquei de novo já bem puto e ela falou alguma merda que não fiz nenhuma questão de entender. Quando vi que não ia descer comprei uma cerveja para “derrubar acidentalmente nela”. Mas para evitar maiores constrangimentos mudamos de lugar e tudo o que pude fazer foi desejar todas as doenças venéreas do mundo para a loba.

"Ô Shields, bichô, cê num tá exagerando?"

Vimos o show do outro lado. Uma experiência de vida, diferente de qualquer show de rock. Na preparação para o palco, de longe, vi os técnicos empurrando um carrinho com mais de 10 amplificadores. Cheguei perto para fotografar a parafernália de Kevin Shields, um dos guitarristas mais influentes do rock inglês dos anos 90. My Bloody Valentine ficou conhecido por suas melodias doces e sussurradas cobertas por ruídos ensurdecedores de guitarras bem timbradas. A parede sonora que o My Bloody Valentine cria não é uma barulheira qualquer, é muito bem pensada para cada um dos amplificadores, cabeçotes, pedais e guitarras que estavam no palco. Fora o visual com uma panada branca no fundo do palco com todas aquelas texturas de cores, distorções e tudo em perfeita sintonia com o som, representado por três mulheres e dois caras. O My Bloody Valentine é uma banda linda de se ver e de se ouvir. Tenho todos os discos e gosto demais há muito tempo, mas confesso que nesse show entendi perfeitamente o motivo deles terem sido uma das bandas mais influentes de sua geração.


O Festival (agora sim)





Em meio a uma Espanha assolada pelo desemprego, crise econômica e uma certa tensão no controle migratório, a música parece, mais uma vez, ser o suspiro de alívio e a recarga de energia que se precisa em um momento como esse. Em Barcelona, todo mês de maio, um festival de música - batizado com a deliciosa estação climática que anuncia o verão - é um dos pilares da economia da região, que atrai turistas de todos os cantos da Europa e das Américas. O Primavera Sound recebe cerca de 300 mil pessoas durante toda sua semana de programação. O que menos se vê são espanhóis. Há gente de todo canto que viaja até a Espanha para acompanhar o line up de um dos festivais mais bem conceituados do planeta.

Já havia passado raspando de ir festival Primavera Sound. Ano passado estava na Europa, bem pertinho de Barcelona, quando houve o festival. Esse ano, quando anunciaram Jesus and Mary Chain, My Bloody Valentine, Blur, Bob Mould, Dinosaur Jr, Daniel Johnston, Tame Impala, Grizzly Bear etc., não tivemos muito tempo pra pensar e decidimos fazer essa dívida e levar esses shows pro resto de nossas vidas.

Blur é um furacão. Fiquei impressionado com o gás que a banda entra no palco. Tender foi um dos momentos mais belos do show, junto com End of a century, pra mim a melhor música do quarteto. Mais uma sorte que o público do Primavera Sound teve. No Coachella eles tocaram a manjadona Song 2, no Primavera foram de End of a century.

Já tinha visto três shows do Dinosaur Jr no Brasil, mas nunca é demais ver os vovôs skate wear botando para fuder, assim como o tiozão Bob Mould que, em trio, mandou todos os hits que construiu em sua carreira solo e com o Sugar. Gosto muito de Hüsker Dü, mas lá minhas músicas favoritas são de Grant Hart, o batera doidão.

Camera Obscura fez um show dançante e cheio de alegria. Já o Nick Cave...


Pra mim, que fui até lá ver minhas bandas de coração, saí muito feliz de ter assistido aos shows de Grizzly Bear e sua explosão visual e de melodias belíssimas; ao Tame Impala e a molecada ligada na psicodelia; ao quarteto doidinho Thee Oh Sees; ao competente Deerhunter. E valeu muito a pena ter assistido ao show simpático e lindo do Camera Obscura, que era na mesma hora do Nick Cave – que não fazia questão de assistir e que vai me fazer perder alguns amigos, parentes e leitores com essa declaração.

Valeu a pena ficar uma hora e meia na fila pra entrar no auditório, ficar láááá em cima e ver 25 minutos de show do Daniel Johnston. Emocionante ao ponto de encher os glóbulos de lágrimas o talento genuíno de Johnston e suas canções verdadeiras e belíssimas. Ele foi um ponto alto que contou nossa ida ao festival.

Houve algumas baixas que, fatalmente, geraram alguma frustração. Impossível ficar de boa com o cancelamento do show de Rodriguez, o trovador americano puxado do limbo pelo maravilhoso documentário Searching for Sugar Man. Ficamos bem tristes sabendo que não o veríamos dessa vez. Sixto Rodriguez está velhinho e teve um problema de saúde que o obrigou a cancelar sua apresentação. Sem contar com as desistências de Fiona Apple e Explosions In The Sky.

Queria ter visto também o Band of Horses – que assisti na fila da cerveja no Lollapalooza do Brasil no ano passado. Eles também não se apresentaram graças a um tornado em Oklahoma, cidade do grupo, que os impediu de embarcar rumo à Espanha.

Os quase cinco quilômetros que percorríamos freqüentemente para assistir aos shows me fez pensar se encararia uma próxima edição do festival espanhol. Dificilmente uma programação como a desse ano me encha tanto os olhos como a que participei. Mas que não seria nenhum sacrifício voltar para alguns dias de paella, Parque Guell, Gaudi, bairro Gótico, Ramblas e discos na Carrer Dels Tallers. Barcelona é fantástica e o Primavera Sound contribui para isso.



p.s: Antes do show do Blur, na área VIP reservada para a Heineken, com uma espécie de varanda na lateral do palco, uma banda de sotaque britânico começa a tocar. Aquilo me pareceu bem familiar, até que na segunda música eu reconheço. Era o Wedding Present, quarteto inglês que teve seu disco George Best cultuado entre fãs do britpop dos anos 90. Como um regallo para os fãs do Blur, a banda fez um pocket show com 6 músicas e presenteou os poucos que os conheciam e que, enfim, puderam fazer um ‘check’ nos revivals que dominavam aquele festival.



*Fotos by myself, exceto a primeira, com Bilinda e Jim Reid.