domingo, 22 de julho de 2012

Amores em páginas preto e branco



 

“No presente a mente, o corpo é diferente
E o passado é uma roupa que não nos serve mais”

Belchior


Adoro tardes de sábado de julho. Elas são perfeitas para organizar a vida de quem mora em Belém e foge da filial do inferno instalada nas praias paraenses. No sábado, obrigado pela compra de uma estante nova, resolvi rearranjar meu tesouro particular de CDs, DVDs e livros, e dei de cara com o passado, ele estava ali escondido nas páginas de livros que devorei, livros que nunca li e livros com páginas propositalmente dobradas e frases grifadas a lápis.

O hábito da leitura floresceu em mim de modo natural e sem forçar barras. Cresci me deliciando com títulos curiosos na estante que meu pai ostenta até hoje – agora em sua sala, não mais na nossa. De lá puxei alguns que serviram para formar minha personalidade e apontar para onde iria meu gosto por literatura. Li o “Vampiro de Curitiba” (Dalton Trevisan), “O apanhador nos campos de centeio” (J.D. Salinger), “Vidas secas” (Graciliano Ramos), “O Bestiário” (Julio Cortazar) e uns contos do Machado de Assis. Dessa biblioteca, surrupiei um ou outro livro de meu pai, entre eles “O santuário”, o único romance comercial de William Faulkner. Esse guardei no meio dos outros para ler mais pra frente - e naquele sábado, na foto guardada dentro dele, lembrei de quando isso aconteceu.




Empoeirados e desprezados pelos últimos anos de atenção voltada ao computador, filmes, discos e a intensidade da vida profissional, minha pilha de livros só aumentava e aquela intenção jovial de conhecer mais histórias e estilos de escrita ficou no passado. Só não tinha me dado conta que no meio daquelas páginas estavam as minhas mulheres.

Sentado e passando o pano para tirar a poeira, lembrei que alguns traziam recortes do passado. Fotos, poemas, cartas de amor, caligrafia caprichada e a emoção devolvida de uma inocência que sumiu no ar. Os livros estavam diretamente ligados aos regallos, com histórias que se cruzavam, que nos ligaram e que foram pautas de várias conversas na mesa do jantar, do bar ou de uma cama reflexiva.

Colecionei amores nas páginas dos livros que li em folhas dobradas, frases riscadas, fotos marcando diálogos, cartas de amor escondidas e poemas panacas escritos e não mandados. Talvez eu faça parte das últimas gerações que se permitem esse tipo de surpresa e emoções, a última que não deposita todos os seus bens em um HD e que, por mais que nunca dê conta de ler tudo o que compra, faz do ato de tirar poeira dos livros um momento verdadeiro que dá um sentido diferente à vida.