Quero uma mina de Marte
Que seja sincera
Que não se tatue, nem fume
E nem saiba sequer
O que é Rock'n Roll...
(Marcianita - J.I. Marocne)
“Nunca havia pensado em escrever um livro. Tenho muitos amigos escritores e nunca me senti capaz de escrever um livro. Até nascer minha primeira neta. Foi quando resolvi escrever minhas memórias, para que elas nunca se apagassem”. Freddy Ginebra disse isso no almoço, depois que entregou a cada um dos produtores que ele estava recebendo em sua cidade dois de seus livros. Um era de conversas com pessoas como Jorge Luiz Borges, Mario Benedetti e Gabriel Garcia Marques – que acredito que sejam os amigos escritores a quem ele se referia. O outro livro se chama “Antes de que pierda La memoria”, lançado pela Casa de Teatro, sua fundação cultural privada, em Santo Domingo, que lança livros, discos e promove mostras de teatro e cinema. Freddy, do alto de seus 67 anos, é uma figura inspiradora para quem um dia resolveu trabalhar com cultura.
Cheguei perdido na noite de quinta-feira em um dos eventos que fazia parte de toda a programação que ele e sua Casa de teatro preparam para receber os produtores culturais de 12 países da América Latina. Encontrei Felix Allueva, meu elo com aquele encontro. Félix, em sua gentileza infinita, saiu me apresentando para todos os outros produtores que estavam por lá. Até chegar em Freddy, um senhor grisalho de olhos azuis que me recebeu com um beijo no rosto. Perguntou como eu estava e se eu queria beber algo. Disse que uma cerveja, e então ele chamou a mocinha de uma das barracas de bebida e disse: “este es Marcelo, darle cerveza”.
No outro dia, no mesmo lugar em que ele selecionou 30 artistas para se apresentarem, era ele quem ia para o palco apresentar. Na verdade, Freddy chamou um humorista de stand up comedy para fazer essas apresentações, mas era ele quem sempre ia e roubava a cena. O humorista se chamava Carlos Sanchez, e me pareceu uma espécie de Rafinha Bastos da República Dominicana - com a diferença de que o dominicano era realmente engraçado e não um palerma convencido.
Soube da importância de Freddy ao chegar no aeroporto, quando um senhor com uma placa escrita Casa de Teatro nos esperava no corredor, antes mesmo de chegar ao saguão. Estava no vôo comigo mais três pessoas da Costa Rica que chegavam na República Dominicana naquela tarde chuvosa de quinta-feira. Nos levou até a sala VIP do aeroporto. Ainda meio perdido na confusão de sotaques latinos, ouvia se falar muito no nome de Freddy, que já havia lido nos emails trocados entre os produtores daquele encontro. Na van, a senhora que nos recepcionou passava o telefone para uma das pessoas da Costa Rica, Silvie. Ela, então, passou o telefone para outro produtor e percebi, naquele momento, que Freddy era o Padrinho, a grande figura da República Dominicana.
Durante o jantar da sexta-feira ele nos avisa que teríamos que acordar às 6h de sábado, pois pegaríamos um ônibus e depois um catamarã (que não é o mesmo que você está pensado, e sim uma lancha apertada, rápida pra caralho e que deixa rapazes de apartamento com o cu na mão) até uma ilha belíssima. Como a noite anterior foi longa, todos chegaram quase às 6h no hotel. E às 7h lá estava ele, de pé e colocando todo mundo no ônibus. Fui cumprimentá-lo com a mão estendi, ele jogou a mão para o lado e deu aquele abraço. Não tem mau humor matutino que resista a Freddy. Ônibus, praia, lancha, praia, barco, sol. E lá estava ele, em pé e contando histórias que todos os outros produtores paravam para ouvir com a atenção de um estudante fissurado em uma aula bacana.
À noite, quando já achava que não teria mais fôlego nem para ir jantar, lá está ele de novo. Elegante e sorridente. Nos conduziu para o seu teatro, apresentou o espetáculo de dança contemporânea e sentou-se. O espetáculo era realmente bom. Bom até para mim que não sou chegado a teatro e muito menos dança. Mas enfim, você sabe como é teatro, sempre rola um peitinho. E é claro que no final todas as dançarinas ficaram nuas. Dom Freddy é realmente um homem de bom gosto.
Lembrei do dia em que cheguei e estava indo para o hotel na van. Cecília, a senhora que nos recebeu e que pareceu ser o braço direito de Freddy, ficou puta da vida porque o motorista, para cortar caminho, passou por dentro de uma periferia. Ela disse que não queria mostrar aquela parte de sua cidade. Eu entendi sua preocupação, apesar de não concordar. Não tem como fugir da realidade de um país deslumbrante mas que carrega a medalha de bronze de terceiro mundo. E a mim aquela realidade não importava. O que realmente importou foi conhecer um homem que viveu a vida inteira promovendo a cultura de seu país, com dinheiro do bolso, sem ajuda do governo e contando com sua rede de amigos.
Soube na noite que cheguei que no almoço daquele dia estava na mesa o conterrâneo dominicano Juan Luis Guerra, o astro mais conhecido nascido naquela ilha. Mas como disse Ritzza, a simpática produtora de Honduras, ao me consolar: “naquela mesa quem importava mesmo era Freddy”.
Freddy brinda de cuba libre na bela jarra da Se Rasga |