quarta-feira, 29 de março de 2017

Com calma


João Gilberto Noll morreu hoje. Lembrei da sensação que tive quando li a última linha de Hotel Atlântico, um dos meus livros favoritos. Desde então, tive nele uma de minhas maiores inspirações.

Nos encontramos duas vezes. Em 2004, eu estava em meu primeiro emprego no Diário do Pará, como repórter de cultura, quando soube da vinda de Noll para Belém para uma palestra no Instituto de Artes do Pará. Pedi ao meu editor que pudesse entrevistá-lo. Com um certo nervosismo, me encaminhei ao Iap para uma entrevista que foi acompanhada pela assessora de imprensa e o escritor Vicente Cecim, por quem Noll demonstrou um carinho enorme.

Antes da entrevista, na palestra, Noll falava e lia suas coisas de uma maneira extremamente calma e preguiçosa, o que me remeteu imediatamente ao romance Canoas e Marolas, da coleção Plenos Pecados da Companhia das Letras, que falava sobre preguiça. Sua fala inspirava muita calma. Depois da entrevista, Noll comentou que ficou surpreso de alguém tão novo (eu tinha 25 anos) conhecer tão bem sua obra. Acho que aquela foi a entrevista mais segura que fiz em minha curta carreira de jornalista cultural.

Trocamos e-mails e, antes disso, havia comentado com ele a minha vontade de escrever, e perguntei se poderia enviar um conto para sua avaliação. Ele não só permitiu como, ao responder o email, me deixou tão empolgado que impulsionou ainda mais minha vontade de escrever ficção.

A segunda vez que o vi foi em uma Feira do Livro em Belém. Dessa vez, havia apenas comprado o romance que ele lançava na ocasião e levado para ele autografar. Sua fisionomia demonstrava um cansaço diferente. Me cumprimentou com a mesma educação, mas com um olhar distante de tristeza. Sua caligrafia na dedicatória era confusa, tremida e intensa. Depois, em alguma entrevista, li que ele passava por um momento de depressão muito sério. Me apertou o coração.


Sempre declarei que Hotel Atlântico foi o grande motivo da existência de Iracundo, meu romance publicado em 2014 através do Prêmio Iap de Artes Literárias, do Governo do Estado do Pará. Hoje, quando minha amiga Rochele (que o conheceu bem de perto em um curso de literatura em Porto Alegre) me contou da morte dele, lembrei imediatamente do final de Hotel Atlântico em que, com um som de espanto, fechei o livro. A literatura de Noll me acompanhou por muito tempo e foi meu despertar para criar algo próprio. Sua generosidade comigo foi tão grande que sei que me acompanhará sempre que tiver algo a dizer e colocar pra fora alguma coisa urgentemente.



quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Luiza e Milton


Quando criança a gente ouve a palavra amor e não sabe bem o que é, exceto por aquele sentimento de apego, dependência e total confiança que se tem pela sua mãe, pai e irmãos. Mais tarde, na dureza que é ser adolescente, se aprende da pior forma. E depois, pisoteado por ele, sabemos como lidar e levá-lo da melhor maneira, com cuidados, pisando em ovos.

Tia Luiza e Tio Milton foram o exemplo que tive desde criancinha do quanto o amor é essa coisa grande e bonita que todo mundo fala. Ele, paulista, mudou de vida e veio até Belém nos anos 1970 viver o que, definitivamente, foi o grande amor de sua vida. Ela, o recebeu de braços abertos. Foi anúncio em revista, que lindo - acreditem no Tinder.

A última vez que vi Tia Luiza ela mostrou um pote, bonito, com as cinzas dele. Disse que estavam ali esperando as dela, para se juntarem e serem jogadas na Baia do Guajará, perto de onde eles deram o primeiro beijo.

Ela, pianista. Ele, poeta e escritor de livros infantis. Deixaram um grande legado para a humanidade: música, poesia e a história de amor mais bonita que pude conhecer.

Hoje deve ser um dia feliz no céu.