“Tem que lançar logo ‘Eloa’ antes que a mídia venha com outro assunto”. Dormi com essa frase do Marquinhos, o DJ Maluquinho, proferida na mesa de bar que dividíamos com o DJ Dolores, Vlad e Godinho, que andam em vias de finalizar as gravações do documentário Brega S/A. Para mim, não existe conversa mais interessante do que discutir música pop ou periférica, ainda mais com quem a faz de maneiras completamente opostas, como Dolores e Maluquinho.
Enquanto Dolores captava o universo empresarial e criativo que Marquinhos despejava com propriedade na mesa, cagávamos de rir da próxima ousadia (que pra eles nem é tanta) de Maluquinho falando sobre o “Caso Eloa” e a música que fez em homenagem a ela. Sandra, mulher e dançarina de Marquinhos, complementava na cumplicidade em ar de veneração: “Ta muito bonita a música”. Ele disse que já tinha uma música chamada Nayara e achou de bom tom homenagear a grande vítima de um dos crimes passionais mais chocantes dos últimos anos no Brasil. Homenagem, oportunismo ou simplesmente falar a coisa certa na hora certa para o povão?
O universo technobrega e o funcionamento do seu mercado é algo que me seduz pela auto-suficiência e pelo tino empresarial. Marquinhos o faz com tanta maestria que deixa todo mundo na mesa parecendo aluno interessado numa aula bacana. Nós, meros expectadores. Marquinhos, um cara inteligente que corre atrás do que é seu e defende incrivelmente bem. Dolores é o talentoso, criativo e antenado com o que está acontecendo na música brasileira.
Música Magneta - Hélder Aragão, o DJ Dolores, veio a Belém para ensaiar com Mestre Vieira, Pio Lobato, Guilherme e Vovô (os três último da saudosa Cravo Carbono) o projeto Música Magneta, e trouxe na bagagem o músico Yuri Queiroga, para incrementar as apresentações com sintetizadores e moogs modernosos, além de uma forcinha na terceira guitarra. Para essa apresentação, Dolores pediu que o show fosse testado com o público e Marcel Arede, produtor eficiente e articulado – e cover do Salsinha, armou o show no Teatro Waldemar Henrique, que reuniu cerca de 50 felizardos que puderam conferir o show que terá uma hora de apresentação na Marina da Glória, neste final de semana, no Tim Festival.
Dolores empresta batidas de reggaeton, música balcânica, africana e o diabo a quatro para os arranjos de guitarrada feitos por Pio e Vieira. A versão de Das model, do Kraftwerk, que já recebeu uma versão de technobrega em português, foi, para mim, o brilho da apresentação. É para aquele momento em que todos já estão balançando no swing da guitarrada e, de repente, toca o clássico do grupo alemão. Aquela história de que o que era bom ficou melhor ainda.
O irmãozinho Jorge Palmquist tava do meu lado vendo o show e falou: “Isso aí ta pronto para ir e não voltar mais pra cá”. Ele estava certo, mas infelizmente nem todo gênio tem a manha de ser um bom produtor e saber se vender. É o que nos falta para ser a nova Recife ou receber a mesma atenção que Porto Alegre no começo dos anos 2000.
Na noite de quinta-feira, 23 de outubro de 2008, dois cabras danados sentaram na mesma mesa que curiosos ouviam atento suas observações sobre o mercado fonográfico, suas fugas e alternativas. Ali havia genialidade compartilhada com iniciativa. E, de repente, são destes acasos que saem novos sopros de esperança para a música brasileira de periferia.