quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Primeira página





Esse é o primeiro parágrafo de Iracundo. Sempre me liguei em começos. Para mim era o que determinava se iria ler até o final. E lembro que esse começo eu pensei anos e anos pra decidir como seria. Depois que escrevi deixei guardado pra ler sempre e me perguntar se era um bom começo. No final das contas, nada representa mais o livro do que a primeira frase:

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Maldito dia lindo. Aquele três de março de 2004 era um dia comum em Belém. Um clichê ensolarado e grudento. Um dia em que o sol irradiante, o clima verânico e sensação de felicidade empurravam as pessoas para fora de suas camas após o cantar de despertadores coreanos e galos inconvenientes. Mau humor matutino e a sensação de não estar contribuindo para a evolução de nada. No carro, olhava o ventilador que insistia em mandar mormaço na intenção de me refrescar. Aquele sentimento não era algo que ecoava por todos os lados, mas sei que não era apenas eu que sentia aquilo. Eram apenas obrigações e deveres cívicos sem desejo. Aquele dia de sol, com pessoas na rua, suando na testa e sem a alegria de um dia de verão, tinha o mesmo clima de todos os outros 364 períodos de 24 horas nessa cidade. Era apenas mais um dia bonito que enterrava cada vez mais meu desejo de viver como um cidadão digno que carrega ambições, sonhos e está sempre atrás de alguma coisa segura, palpável, estável. Ia e voltava do trabalho na mesma pegada e o final do dia era sempre igual, só mudava a música que tocava na rádio.


terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Discos dados e livros comprados

Tenho uma relação diferente com discos e livros e só agora que pude perceber claramente. Participei da gravação de dois discos, um da banda em que toco baixo - e outrora produzia - chamada The Baudelaires, e a outra como guitarrista da banda da Ana Clara.

Os dois discos, depois de lançados, distribuía sem pudor. Vendíamos (na maioria das vezes) para quem não conhecíamos e dávamos para amigos, produtores, jornalistas. Um disco você escuta no carro, por curiosidade, coloca em casa durante uma festa, ouve com compromisso de se envolver também, mas em outro tempo. Um disco não te tira tanto tempo da rotina e, mesmo tendo recebido de alguém, você ouve e não toma mais que 30 ou 40 minutos do seu dia - a vida nos permitiu que, cada vez menos, tenhamos amigos de rock progressivo que gravam discos duplos.

Gostaria de dar meu "Iracundo" para toda e qualquer pessoa que demonstrou o mínimo interesse em ler, mas tenho observado que, para algumas pessoas que dei, elas não apenas ainda não leram como parece que ainda vão demorar ou sequer ainda vão ler. 90% das pessoas que leram e já comentaram comigo foram as que compraram. Não estou tentando provar nenhuma teoria, apenas constando algo que, de repente, se trata tão somente de uma coincidência.

Funciona assim comigo. Vou a uma livraria e, se saio dali com um livro na sacola, ele fatalmente fura a fila e passa pra frente dos outros que abandonei pela metade ou por não estar gostando ou de algum autor que tenha me dado. Por outro lado, ganhar livros de amigos que veem e acham a tua cara é o máximo. Mas estou falando mais de receber da mão do autor. A verdade é que a vida ficou rápida demais para os livros. Eu faço promessas falsas, me engano, invento desculpas, provoco uma briga, digo que não estou, mas no final já dormi com a porra do iPad no peito e passei duas horas jogando meu precioso tempo fora.

Inventei outra desculpa furada pra justificar minha compulsão por discos, filmes e livros. Digo que estou me preparando para o grande apagão, o fim da internet. E, oh meu bom deus, como aguardo por esse bendito dia!

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

O dia do lançamento

Faz um tempo que tenho imaginado esse dia. Não exatamente o dia em que dei o ponto final de "Iracundo", mas quando fui a algum lançamento, quando troquei ideia com um dos autores de livros que mudaram minha vida ou quando li entrevistas que revelavam o autor por trás do romance. Dessas maneiras me peguei pensando no dia do lançamento. 

É hoje, e escrevo antes da "grande noite". Ansiedade correndo solta pelas veias. Já realizei outros trabalhos que me orgulho um bocado, mas nada tão intenso e exclusivamente meu como o lançamento do meu primeiro romance, algo que nunca achei que pudesse fazer desde que li "O apanhador nos campos de centeio", aos 17 anos.

Lembrei agora do meu computador ligado no avião que me trazia de Montevidéu pra Belém, em 2008, no período que me propus a escrever Iracundo. Não acreditava que conseguiria terminar aqui com todas as coisas que acontecem no nosso dia a dia e nos fazem derrapar do foco. Terminei ali, no avião, entre um copo de plástico de coca com uma mísera pedra de gelo e um pão com qualquer coisa.

Saíram duas matérias nos jornais daqui, Diário de Pará e O Liberal. Trabalhei muitos anos no Diário, o que me deu a oportunidade de entrevistar um cara que talvez tenha sido o mais importante para o nascimento de "Iracundo". João Gilberto Noll e seu "Hotel Atlântico", é exatamente um "road book", que começa no Rio de Janeiro e termina em Porto Alegre. Intenso, poético e brasileiríssimo, o romance de Noll foi um daqueles que você lê em uma noite, tanto por ser curto quanto imensamente bom. 

Achei libertador contar uma história pelas estradas do Brasil, algo que conheci intensamente desde um ano de idade, no banco de trás do carro dos meus pais. Aquelas longas horas de pasto, vacas, carros, caminhões e a música escolhida por eles acendeu em mim a vontade de contar uma história.

Releio com prazer meu "Iracundo" nos últimos dias. Volto páginas, analiso, penso em quem vai ler ou já leu. E tenho realmente gostado muito do que ficou. Não sei se tenho fôlego para um próximo romance tão cedo, mas certamente tentarei. E hoje? Hoje é o dia de encarar o que antes era só imaginação. Se é bom eu não sei, mas também não me sinto gonzaguinhando com a bunda exposta na janela pra passarem a mão nela.