Esse é o primeiro parágrafo de Iracundo. Sempre me liguei em começos. Para mim era o que determinava se iria ler até o final. E lembro que esse começo eu pensei anos e anos pra decidir como seria. Depois que escrevi deixei guardado pra ler sempre e me perguntar se era um bom começo. No final das contas, nada representa mais o livro do que a primeira frase:
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Maldito dia lindo. Aquele três de março de 2004
era um dia comum em Belém. Um clichê ensolarado e grudento. Um dia em que o sol
irradiante, o clima verânico e sensação de felicidade empurravam as pessoas
para fora de suas camas após o cantar de despertadores coreanos e galos
inconvenientes. Mau humor matutino e a sensação de não estar contribuindo para
a evolução de nada. No carro, olhava o ventilador que insistia em mandar
mormaço na intenção de me refrescar. Aquele sentimento não era algo que ecoava
por todos os lados, mas sei que não era apenas eu que sentia aquilo. Eram
apenas obrigações e deveres cívicos sem desejo. Aquele dia de sol, com pessoas
na rua, suando na testa e sem a alegria de um dia de verão, tinha o mesmo clima
de todos os outros 364 períodos de 24 horas nessa cidade. Era apenas mais um
dia bonito que enterrava cada vez mais meu desejo de viver como um cidadão
digno que carrega ambições, sonhos e está sempre atrás de alguma coisa segura,
palpável, estável. Ia e voltava do trabalho na mesma pegada e o final do dia
era sempre igual, só mudava a música que tocava na rádio.