Sou agnóstico, um ateu sem tanta convicção que acredita em alguma
coisa. Por muito tempo andei perdido diante da necessidade de acreditar em algo.
Não por alguma imposição social ou convencional, era mais por me ver perdido
sem ter a quem recorrer naqueles momentos de dúvida, do leve desespero ou na
torcida para que algo dê certo. Recentemente, depois de uma conversa com minha
amiga e taróloga Marisa, descobri que minha espiritualidade se encontra nos
meus discos. É onde me acalmo, acho repostas e procuro entender a vida.
Mas no final de semana passado, minha compreensão de espiritualidade
se expandiu diante de tantos acontecimentos que contrabalanceavam em meio peito
entre coisas boas e ruins. No sábado, eu tinha meu programa agendado: almoçar
com Érico; ir à tarde ao pocket show e lançamento do vinil da Silvia Machete no
ótimo e surpreendente Caverna do Rock; terminar a tarde na Balsa, minha parada
obrigatória em São Paulo; e, por fim, seguir para Pinheiros para assistir o
show da Black Mantra e Monkey Jhayam.
No entanto, na manhã desse mesmo dia fui tomado por uma
notícia da partida de um parça querido, que não me saiu da cabeça nenhum
minuto sequer, dentro de sentimentos bons de descobertas e generosidade mixados
com perda, paternidade, sentimento de invasão e um sentimento de surto eminente.
Logo no início dessa tarde tomei o rumo do GPS que me
levaria andando de Higienópolis para o Centro, sem saber que passaria por uma
tarde eufórica dentro da Boca do Lixo. Tenso, mas firme, cheguei na Caverna do Rock e o
que era tensão se transformou em ternura, diante do que, possivelmente, virará um
dos meus locais favoritos de São Paulo.
O evento era um Live PA de Silvia e o lançamento, em vinil,
de seu ótimo álbum mais recente Rhonda. A Caverna do Rock ocupa alguns
apartamentos deste prédio no Centro, que estavam divididos entre uma sala com
fliperamas, máquinas de Pimball e um DJ tocando vinis (claro); uma sala com discos
e muitos equipamentos analógicos à venda; e o que parecia ser a sala principal,
com uma bela mesa de frios, um rapaz fazendo coquetéis, sessão de autógrafos,
fotos e uma TV passando Inglaterra X França. Conversas maravilhosas, bebidas de
graça, pessoas generosas, reencontros e novas amizades. Não poderia ter uma tarde
melhor. Mas até que melhorou quando fui para a Balsa, que sempre tem uma good
vibe.
Mas, saindo de lá, estou em um taxi na Avenida São João, bem na
entrada da Boca do Lixo, e pá, dois jovens metem a mão dentro do carro, pegam
meu celular (que estava com 1% de bateria) e desaparecem em frações de segundos.
Chego em casa para bloquear tudo, inclusive contas, mas já era tarde. Desbloquearam
meu celular (já se sabe há tempos que iPhones não tem mais aquela segurança de
sempre) e conseguiram fazer um Pix da minha conta. Bom, todo mundo que já foi
roubado ou perdeu o celular sabe a dor de cabeça que é, sobretudo quando sua
vida é invadida.
Após aquele desesperinho não me restava muita coisa no dia
seguinte se não seguir para o Balaclava Fest, onde, cercado de amigos, pude
exorcizar a melancolia cantando Undertow, do Alvvays, a plenos pulmões. Voltei
pra casa com uma sensação melhor, como se o baque dos acontecimentos fosse,
mais uma vez, curado com a música.
Na segunda-feira, meu último em São Paulo, numa tarde
chuvosa caminhei pela Augusta atrás de presentes de Natal para a minha família
e, depois de ler uma breve sinopse, entrei no cinema para assistir ao filme Aftersun,
estreia da cineasta escocesa Charlotte Wells.
O que posso dizer, daqui em diante, é que esse ano vi muitos
e muitos filmes bons graças à curadoria de plataformas de streaming como Mubi e
Reserva Imovision. São dezenas de filmes independentes que se acumulam entre os
favoritos de 2022. Mas nenhum deles vai ficar profundamente marcado no meu
peito como Aftersun.
O filme fala sobre paternidade, acima de tudo. É uma
história autobiográfica que vai muito além de uma egotrip e retrata uma relação
de pai e filha como nenhum outro filme moderno fez. Talvez a carga dramática do
filme pese mais em quem é pai, mas, de qualquer forma, todo mundo é filho. Então
nisso o filme vai bem além de uma história bem contada. Eu chorei no final, sem
acreditar que aquele recado era pra mim. Não pude ver a hora de encontrar meu
filho e dedicar toda a atenção do mundo a ele, que os primeiros dias sem
celular me proporcionaram e me mostraram que talvez eu precisasse daquilo para
dar mais atenção aos seus anseios.
Diante dos sentimentos que eu carregava até entrar naquela sala
de cinema, pude rever minha espiritualidade em relação à arte, no geral. A cura
e as respostas estão em sinais que o Universo dá. Eu sei, essa abstração dá no
saco, mas precisei escrever sobre isso para entender um momento em que pude
olhar o mundo de outra forma.
Me considero uma pessoa otimista na maioria das vezes. Recentemente meu carro estava estacionado e foi batido por um cara que fugiu e não deixou rastros, deixando eu e minha família três meses sem carro. Fui assaltado por dois garotos e tive a conta bancária invadida por hacker do mal. Entre outras coisas, alguns acontecimentos mais pessoais marcaram um registro de coisas que preferia não ter passado. Mas não tenho como achar que Mercúrio retrógrado fudeu meu ano, ou que passei por uma onda de acontecimentos ruins e que estava numa “maré de azar”. Os acontecimentos bons se enfileiraram no meio, tive um ano de excelentes resultados profissionais, muitas viagens e uma família linda em casa. Tenho filmes, discos, shows e livros na minha frente.
Não posso ser mais sortudo do que sou.
E o que deu ruim, deu bom.