sábado, 16 de janeiro de 2016

O troco do tubarão solitário (ou Quando Cobain voltou)

 We passed upon the stairWe spoke of was and whenAlthough I wasn't thereHe said I was his friendWhich came as some surpriseI spoke into his eyesI thought you died aloneA long long time ago



Kurt Cobain voltou. Assim, do nada. Somos amigos de longas datas, nos encontramos e fui com ele para um churrasco na casa de um amigo, em Los Angeles. Lá, tomamos banho de piscina junto com outros convidados, quando ele resolveu fazer o grande anuncio: um show de retorno com o Nirvana! Ninguém comemorou muito. No som, tocava alguma música baiana dos anos 90 (pois é) e as pessoas dançavam fazendo coreografias. E em meu off perplexo: gente, peraí, o Nirvana vai voltar! Nessa hora, Kurt chega comigo meio decepcionado. Digo: "cara, acho que te entendo. Você tinha razão em relação ao mundo da música. Tudo tão fugaz, efêmero... As pessoas comemoram a volta do Guns 'N Roses, mas não estão nem aí pra volta do Nirvana!? Que porra é essa, mano!?". E Kurt diz: "Ah, amigão, é assim. Agora tu entendes, né?".

Nessa hora, o sorriso dele desmancha pela primeira vez desde seu reaparecimento, e antes de dar um novo mergulho na piscina, me fala "depois desse show do Nirvana, vou montar um projeto novo chamado The Lone Shark's Payback". Eu olho para o meu amigo com um misto de orgulho e compaixão e digo pra mim: "bem, pelo menos ele está com a cabeça no lugar, tranquilo, sem deslumbre. Kurt é foda! E essa volta dele deve ser a coisa mais amadurecida e verdadeira que a música terá nos últimos 20 anos em que ele esteve morto.".

À noite, saímos pra dar um rolê e encontrar Dave Grohl e Kim Deal, os únicos amigos que ele realmente queria ver, assim como eu. Dave trazia uma maconha genial e fumávamos em uma esquina. Sim, ele já era o Dave Foo Fighters. Até que aparece alguém avisando que a polícia estava ali e que era pra dispersar. Cada um corre para um lado, não tanto para escapar do baculejo, mas para não presentear os tablóides sensacionalistas de L.A..

Eu e Cobain corremos juntos, subindo uma tremenda ladeira esbaforidos. Vimos que uma pessoa vinha atrás da gente. Entramos em um prédio. Atrás da gente vinha alguém, não sabíamos ainda quem. Então, vejo um cara moreno, sem camisa e com uma bazuca no ombro. Nos escondemos dentro de um apartamento, nessa mesma hora tivemos um bug de riso ao nos darmos conta da situação. Pulamos para uma varanda, ainda escondidos. Até que vejo que o moreno com a bazuca era um garoto com um brinquedo. Rimos de novo, e mais alto dessa vez. Adoramos as pessoas.

Quando voltamos ao apartamento, a família que morava lá reconheceu Kurt Cobain e pediu pra tirar fotos e para ele autografar os discos do Nirvana. Ele olhou pra mim e sorriu de verdade, ainda com a cara vermelha pós-gargalhada. Perguntaram o que a gente estava fazendo ali. Tivemos um novo bug de risos lembrando do absurdo que era essa situação do Kurt Cobain voltar, de ter que correr da polícia, confundir uma criança brincando com um maluco com uma bazuca e ter que se esconder no apartamento de uma família.

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No dia que David Bowie morreu, antes de dormir, pensei "isso bem que poderia ser um sonho". Daqueles de você acordar e falar pra alguém: "que sonho doido que eu tive! Sonhei que o David Bowie morria, assim do nada, e deixava um disco de despedida! Só que no mesmo dia  eu estava trabalhando na produção de um show que tinha Dona Onete, Fafá de Belém e um sertanejo que era um tremendo fenômeno de massa. Que sonho louco!".

Foi na manhã seguinte à morte de Bowie. 

Quando Cobain morreu, senti a mesma coisa, de estar perdendo um amigo próximo. Não sei quem comanda os sonhos, mas esse me deixou feliz ao acordar, sentindo que em algum lugar estaria rolando uma jam session especial, face to face with the man who sold the world.