terça-feira, 26 de março de 2013

No Brasil selvagem


Quando assisti ao filme "Into the wild", em 2008, estava no meio de um processo que considerei fundamental para minha entrada nos 30 anos, uma grande virada na minha vida. Experimentava um período sabático em Montevidéu, dedicado ao auto-conhecimento e ao "projeto Iracundo" - meu livro ainda não lançado. Naquele ano estava deixando para trás uma vida que me conduzia a uma morte lenta e sem graça, trancafiado em redações de jornais, freelancers sem tesão e uma Se Rasgum ainda não embalada.

Durante esse período, o dinheiro das horas extras acumuladas com o adicional noturno, ferias vencidas e a porra toda me garantia alguns luxos na capital uruguaia. Um deles era ir a São Paulo visitar os amigos e sair andando por ali sem rumo. Numa dessas tardes entrei no cinema para assistir ao filme de Sean Penn.

Saí tocado pela história real e sensível dirigida pelo ex-Madonna's puncher achando que aquilo tudo fazia sentido na minha vida naquele momento. Liguei pra minha mãe e disse "vende o carro, vou esticar minha epopeia pelo velho mundo". Alaska não, né? Sou doido mas quero ar condicionado, avião, taxi e black label. Minha mãe chorou e disse que estava com saudades e que não ia vender meu carro porra nenhuma. Amamãezei e deixei de lado aquela idéia. Voltei para Belém e agora minha vida não é mais aquele suicídio a longo prazo de outrora.

Tudo isso para falar de Gareth Jones, um inglês que conheci há algumas semanas, coincidentemente, em um arremedo de boteco inglês em Belém. Acompanhado de um amigo igualmente louco, Aaron, os dois entraram em uma das aventuras mais incríveis que já ouvi na vida: atravessar sem transporte motorizado o Brasil do ponto mais extremo do Norte (que não é mais porra nenhuma no Oiapoque, e sim Caburaí) até o Chuí, este sim ainda o ponto mais extremo Sul do País. Naquele momento eles estavam em Belém após sair de Caburaí e chegar de canoa, remando, a Santarém. Canoa, isso mesmo que você leu.

Graças a uma burocracia de prazos da Ancine para permissão para filmar no Brasil,  os dois tiveram que parar a jornada ali e ir cada um para sua cidade natal renovar o visto e estender a licença. Para isso, Belém foi a parada obrigatória. Na volta, dentro de um mês, eles retomam a saga de Santarém e chegam em Belém para ir andando (!) até o Rio de Janeiro (!), depois de bicicleta (!) até o Chuí (!, ! e !).

Acompanhados de uma mochila cada um, apenas com o necessário - e uma canoa que desmonta e vira outra mochila, Aaron e Gareth remaram por quilômetros e quilômetros Amazônia abaixo, dormiam em pequenas comunidades ribeirinhas, acampavam perto de onças e estiveram expostos a toda a selvageria da Amazônia.

Quando me mostrava vídeos e dava mais detalhes da aventura, Gareth falava de outros casos de Forrest Gumps que também já haviam feito o percurso. Apenas dois, um de bicicleta e outro correndo. Sobre este último, Gareth comenta "esse é um louco!". Certo, as pessoas normais vão de canoa, andando e de bicicleta, né?

Eu disse a Gareth que ele era louco, quando ele me respondeu: "loucura era o que eu estava fazendo na Inglaterra, trabalhando num emprego que odiava (Bolsa de Valores) e vendo minha vida passar diante dos meus olhos". Nesse momento dei um sorriso de cumplicidade, entendi o que também me levou a passar um tempo no Uruguai e comparei as condições, me achando um tremendo bunda mole.

O dois registram em vídeo (em imagens belíssimas) tudo o que estão vivendo. Jerry prestava serviços ao Discovery Channel, nos Estado Unidos, e o objetivo é transformar toda essa viagem em uma série de TV.  Em muitas de suas paradas eles fazem o upload de todo o material gravado, já contando com um eventual imprevisto ou surpresas dessa brasilidade toda em que resolveram mergulhar.

Pergunto a Gareth sobre sua segurança e ele me diz: "estamos nas mãos do povo". Nesse momento entendo mais ainda o quanto esse "projeto de vida" é importante. Além de dar à dupla uma experiência de vida verdadeiramente rica em todos os sentidos (pelo menos os que importam), ainda levanta questões sobre cidadania, humanismo, amizade, solidariedade e comportamento. Será que o Brasil, de Norte a Sul, está pronto para colaborar com essa jornada? Eu só torço pelos gringos e para que sua história chega ao maior número possível de pessoas.





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