Num mundo cada vez mais sem desejos, expectativas e esperança, heróis são itens raros. Me sinto realmente triste quando perdemos um, como nos casos de Lux Interior e Paul Newman, recolhidos desse plano recentemente – e devidamente homenageados aqui. Tanto Lux quanto Newman, creio eu, eram caras que acreditavam no que faziam, obstinados e que nunca precisaram ser o que não eram para chegar a algum lugar. Isso é ser um herói nos dias de hoje, onde o mundo é cada vez mais digital, os contatos são virtuais e a coragem se esconde atrás de monitores de
Em 1996, eu era um moleque de 17 anos que tinha uma guitarra, bermudas grunges e cabelos compridos. Tinha uma guitarra vagabunda e colava nos bróders que sabiam uns acordes de Black Sabbath, Red Hot Chilli Peppers e Nirvana. Meu universo era esse, meus amigos curtiam isso e o máximo que eu me atrevia a ouvir de diferente era Oasis e Jesus and Mary Chain. Mas a MTV teimava em passar na programação da tarde o clipe de três tiozões desengonçados, com camisa de time e estereótipos de funcionário público. Era a Graforréia Xilarmônica, banda de Frank Jorge, com o clipe de “Você foi embora”. Não conseguia entender como eu gostava tanto daquilo se não tinha nada a ver com o momento que estava vivendo. Era jovem guarda, era brega, era gaúcho... Mas que porra?!
Então segui minha vida tranqüilo e sem ligar muito para esse meu lado – exceto quando via o clipe da Graforréia passando e corria para ajeitar a antena ligada em UHF na minha TV. Naquela época, o rock brasileiro eram apostas dos Titãs no selo Banguela (dirigido por Carlos Eduardo Miranda), que se resumia a Raimundos, Pato Fu e Mundo Livre S/A. Graforréia Xilarmônica era uma dessas apostas, mas poucos felizardos reconheceram.
Fui morar em Santos e o rock brasileiro voltou a aparecer. Foi quando fiz alguns amigos que, entre outras coisas em comum, também eram fãs de Graforréia. E aquela foi a hora de poder assumir meu amor por aquele rock cheio de sotaque, cínico, de guitarra esquisita, mas estranhamente cativante. Lembro que Fabeca Martins me emprestou o Chapinhas de Ouro e Coisa de Louco II, e percebi que minha intuição não havia me enganado, além de Você foi embora, Eu e Nunca Diga (as duas últimas gravadas pelo Pato Fu), havia ainda todo um universo de pérolas que perpetuaram-se em meio a um udigrudi cultuado. Músicas como Eu mato os dois, Meus dois amigos, Twist, Misto quente, Colégio interno e Amigo Punk, um clássico em todas as rodinhas de quem realmente sabe o que é rock brasileiro.
Frank Jorge esteve em Belém no último final de semana a convite de nossa produtora para um show ao lado dos amigos da Stereoscope – que tiraram suas músicas divinamente – para ser a atração principal do Grito Rock, um evento que insistimos em fazer sem patrocínio. O evento em si me metia medo. Era mais um show que estávamos fazendo sem nenhum centavo de patrocínio e contando 100% com bilheteria e uma angústia me pegou por toda a semana que antecedeu ao evento. Me preocupei até o momento de Nunca diga, música que abriu a apresentação de Frank Jorge na noite do dia 20. Cantei quase todas as músicas do começo ao fim do show, com o hino Amigo punk, que puxava mais uma vez um coro de beberrões, que eu fiz parte e puxei o pedido da platéia. Frank me olhou e disse “de novo?”. Claro, a gente esperou a vida toda por esse momento. As 200 pessoas que estavam na Sarajevo podem não se dar conta disso ainda, mas estavam presentes em uma das noites mais importantes da história da produtora Dançum Se Rasgum, onde, mais uma vez, o prejuízo financeiro não arruinou nossos sonhos.
Com três discos solos lançados e sempre alerta para uma volta com a GX, Frank é um dos maiores compositores brasileiros que não deixa de colocar humor mesmo quando está falando sério. Sua genialidade se espalha por onde passou, desde os Cascaveletes aos Cowboys Espirituais, a refrões como “Elvis na fase decadente é bem melhor que muita gente”, que abre seu mais recente trabalho, o Volume três.
Frank Jorge é um herói, embora ele deteste essa maneira de reverenciá-lo. Em nossa troca de e-mails, usei o adjetivo “lendário” para me referir a ele no release, e ele pediu, por favor, que retirasse aquilo, dizendo que uma pessoa lendária não está com o nome no SPC e não faz malabarismo para cuidar de três filhos. É isso mesmo, Frank, me desculpe, mas os nossos heróis não usam mais a cueca por fora da calça.