No domingo de 5 de dezembro de 2021, fui ver meu quarto show
da minha banda favorita, The Jesus and Mary Chain, no Bataclan, em Paris. Num
domingo chuvoso e frio, eu e minha amiga, Irema, descemos do metrô e nos localizamos
pelo mapa do celular até o acesso ao Bataclan. Quando nos demos conta,
estávamos diante de um pequeno túnel que levava ao acesso da rua lateral, onde
também ficava a saída de emergência da casa de shows. Foi inevitável vir à
memória, imediatamente, os vídeos que circularam depois do atentado que tirou a
vida de 90 pessoas no Bataclan, e que estavam ali pelo mesmo motivo que eu: ver
uma banda que gosta muito. Por aquela rua, na noite de 13 de novembro de 2015,
passavam pessoas sendo carregadas por amigos e deixando trilhas de sangue no
chão. Quanto mais nos aproximávamos da entrada, mais memórias dos vídeos me
cutucavam a mente, como pessoas que moravam nos prédios ao lado e filmaram, de
cima, a fuga desesperada pela saída de emergência.
Na fila de entrada, com pessoas animadas para entrar, o
sentimento se misturou e entramos tentando driblar a energia alexandrina. Na
entrada, ao deixarmos nossos casacos na chapelaria, chequei os bolsos da minha
jaqueta para ver se teria alguma coisa ali que eu pudesse deixar pra trás, caso
precisasse correr sem o casaco. Foi um pensamento involuntário, movimento do
subconsciente.
Faltava cerca de 10 minutos para a banda convidada, a ótima
Rev Magnetic, de Glasgow, Escócia - mesma cidade do Jesus and Mary Chain. O bar
fica numa parte mais alta, uma espécie de mezanino, onde pedimos duas cervejas
e ficamos ali, em um longo silêncio até o começo do primeiro show. Eu nunca
havia ido ao Bataclan, mas aquela área em que eu estava era familiar por contas
das fotos e vídeos que vi sobre o massacre. Ali era a entrada, e a parte mais
alta, onde se tinha uma visão maior sobre toda a casa e plateia, e foi onde um
dos terroristas iniciou o fuzilamento. Minha amiga é psicóloga e trabalhou com
vítimas daquela noite sangrenta. Para ela, claro, o motivo do silêncio era
ainda mais profundo. Com a Heineken a 6 euros (custosos 40 reais), tratei de
virar a primeira e correr logo pra segunda para afastar aquele sentimento e
tentar mergulhar de cabeça no que estaria a vir, que seria o show de uma das
bandas que mais amo tocando o meu álbum favorito deles, ironicamente chamado
Darklands.
Nos localizamos em frente à housemix, meu lugar de praxe
para ver bandas que amo. Na hora do show eu já tinha virado umas 5 cervejas e
meu espírito estava mais do que solto para me entregar ao momento. Foi o álbum
inteiro, da primeira até a última música, começando com Darklands e a ironia da
ocasião “oh something won't let me go to the place where the darklands are”,
tirando a verdadeira poesia que sempre me embalava nessa música. Mas cantei
junto, de olhos fechados e espantando a treva. Então vieram todas as outras:
Happy When it rains, April Sky, Down on me, On the Wall etc. Depois, deixaram
palco e voltaram para mais uma série de hits, encerrando com Just Like Honey, deixando o coração de um indie de meia-idade em pedaços.
Claro que o sentimento pesado que havia entrado com a gente
no começo da noite, foi embora e o tempo virou. Só me lembrei de novo quando vi
as portas de emergências laterais abertas para ajudar na saída do público. Talvez
já fosse um procedimento anterior, mas pesou novamente. Por mais que aquele
fosse um momento especial, e uma ida ao Bataclan traga sentimentos
de felicidade, é impossível não sentir a energia pesada do ataque em massa
causado pelo Estado Islâmico. Mas ali, naquela noite, era Jesus no palco.
Momento doidão pós-show nas clássicas cabines de fazer cartão de transporte |