Mas onde estão os bons e velhos costumes que costumávamos ter? É o que pergunta Peter Griffin na abertura de Family Guy, uma das séries animadas mais divertidas e sem limites de todos os tempos. Na abertura do programa, a família geralmente está reunida em frente à TV assistindo às maiores bizarrices da TV aberta norte americana. Tudo é absurdo e engraçado demais, e é exatamente isso que faz a série ser o que é, um riso frouxo do começo ao fim com piadas sem limites sobre cultura pop e da família americana.
De algum tempo pra cá venho achando a TV aberta um grande portal de invasões bizarras que intentam prender aquele sujeito que já está abandonando o controle remoto pelo teclado e mouse. E nela, quase tudo já é permitido, desde os mais sensacionalistas reality shows às sugestões sexuais que já não ficam mais nas entrelinhas.
E então chego em casa meio doidão em uma madrugada qualquer e passo a zapear os canais da TV por assinatura. Nenhuma série, desenho ou filme interessante – nem mesmo as surpresinhas marotas que Cinemax reserva para caras solitários no meio da madruga. Então chego a um programa da TV americana que passa no Mulstishow, chamado “Pense nisso”. Lembrei imediatamente do Adnaldo, um amigo meu. Mas nem tive tempo de rir e embarcar na minha lombra com a advertência que aparecia na telinha em seguida, de que o próximo programa continha cenas de uso de drogas e temas adultos. Larguei o controle e conclui “é por aqui que fico”.
O “Pense nisso” exibia naquela noite um programa da MTV Norte Americana chamado “Gone too far”. A premissa era a mesma de “Super Nanny” e do “Encantador de cães”. Uma família de classe média está passando por problemas com o filho atentado ou o cão espírito-de-porco e então chega o herói fodão que vai colocar ordem naquela porra toda. Pois em “Gone too far” a onda é muito, mas muito mais pesada.
DJ AM é o cara. Ele é um DJ conhecido nos Estados Unidos por ter se emboletado com celebridades como Mandy Moore e Nicole Richie. É a ele que as famílias chamam quando precisam de uma forcinha. Só que essa forcinha não é com crianças tolas, cães danados ou casais em crise, mas com jovens entre 20 e 25 anos viciados. No episódio que meus olhos não acreditavam que estavam vendo, uma menina chamada Gina, de 20 anos, era uma viciada em heroína dessas que o cinema sempre dá uma exagerada para querer chocar. Por algum tempo achei que o programa era forjado. Gina vivia com a mãe, o irmão (outro ex-viciado em heroína) e a avó, que dava grana para Gina comprar heroína, como uma forma desesperada de fazer com que ela se drogasse em casa e não saísse para “fazer besteira” na rua.
"Ô, Gina, larga o pico. Que coisa feia!" |
O programa tem exatamente o mesmo formato de Super Nanny, em que o condutor, no caso DJ AM, aparece como um herói fodaço na abertura, com um off narrando sua ficha e dizendo que ele era um ex-viciado e que estava há 11 anos livre do vício. DJ AM fala com a câmera no melhor estilo “e agora vamos conhecer Gina?”. A linguagem do programa me deixava surpreso com o tom angelical e as imagens impressionantes da garota se injetando, mostrando a latinha onde guardava a droga e o braço completamente roxo sem lugar para achar uma veia e se injetar. A mãe falava de uma forma como se Gina estivesse com notas ruins no colégio. O irmão como se ela namorasse um cara mais velho. A avó, caduca talvez, falava numa boa que dava dinheiro para ela comprar heroína como se falasse que estava suspendendo a mesada porque ela chegou tarde em casa no final de semana. E DJ AM trata tudo com um certo sangue frio, oferecendo tratamento à menina (que aceita ir, é claro).
"Gone too far" teve apenas oito episódios, que foram exibidos no ano passado pela MTV americana. A série foi interrompida pela morte de DJ AM, que (veja só) morreu devido a um acidente com remédios em seu apartamento em Nova York, depois de ter escapado de um acidente de avião em que morreram quatro pessoas.
DJ AM morreu no ano passado aos 36 anos |
Por um bom tempo fiquei me perguntando se eu já estava dormindo e sonhando com aquele “Gone too far”, que naquela altura fazia 100% jus ao nome. E aí, meu amigo, onde estão os bons e velhos costumes que costumávamos ter? Me senti o Peter Griffin assistindo TV como se fosse uma coisa normal, mas torcendo para que abusos da TV norte americana demorem a invadir à nossa TV, ou pelo menos a minha vida.