Quando morei em Santos me tornei amigo de um grupo de jornalistas músicos que tinham uma banda chamada Smiley, uma grande banda. Todos eles eram fãs de um estilo que eu, até então, achava que era simplesmente rock alternativo que tocava em Sessão da Tarde. Mas aí a denominação de Power Pop me fez engolir a ignorância e partilhar com eles o gosto por aquelas bandas cheias de melodia, mas ácida demais para ser apenas uma banda pop. E na semana passada quem nos deixou foi um dos nomes mais expressivos do estilo, Alex Chilton, vocalista e guitarrista do Big Star. Chilton tinha 59 anos e morreu de um possível ataque cardíaco e fará companhia ao seu parceiro Chris Bell, que morreu em 1978 em um acidente de carro. A banda dos anos 70 hoje em dia é cultuada por fãs do estilo, mas o Big Star ainda figura entre os mais injustiçados do rock ‘n’ roll.
Fica aqui nossa homenagem a Alex Chilton com uma apresentação ao vivo da música Thirteen.
Juan Ravioli
O Rafael me trouxe de Buenos Aires um disco de um cara que tenho escutado demasiadamente, o Juan Ravioli. Uma grande amiga minha é assessora de imprensa dele e já tinha me falado que o som de Ravioli era um folk bonito e bem executado que ganhou a imprensa argentina – o jornal Clarin o elegeu como artista revelação em 2009. Me lembrou um músico canadense que descobri por acaso no começo da década 00 chamado Barzin. Os dois se diziam influenciados por Leonard Cohen.
DJ Konsiderado
O mesmo Rafael, aliás, é o DJ Konsiderado. Graças a um empurrão de amigos, ele acaba de lançar um disquinho pela Red Bull junto com outro DJ muito bom de Belém, o Pro.efx. O DJ Konsiderado nasceu da idéia de fazer mash up indie com batida tecnobrega, depois evoluiu para músicas próprias, sempre com a batida tecnobrega, mas agora com a participação do MC Ratoboy e Marlon Branco. Depois dele, coincidentemente, veio o DJ Cremoso, com a mesma idéia, mas espalhando mais seus mash ups por aí. Só pra deixar claro, o Konsiderado veio antes. O CD Pro.efx & DJ Konsiderado vai ser distribuído em boates de bares do Norte e Nordeste. Mas dá pra sacar no blog dele.
The story of Anvyl
Lí na Veja há umas duas semanas uma matéria muito legal do Sérgio Martins sobre o documentário The story of Anvyl. O filme conta a saga de dois metaleiros cinqüentões que correm atrás do grande sonho de viver como uma estrela do rock sua banda, a canadense Anvyl. A banda tem o reconhecimento de figuras importantes do rock, como Lemmy e Slash, mas ainda assim caiu no ostracismo e só agora foi relembrada nesse belo documentário. Fazia tempo que não achava um documentário tão emocionante. É mais um caso da vida real imitar a ficção, com o hilariante This is The Spinal Tap.
“Um amor tão grande que só poderia caber dentro dele”. Este é o tag-line do longa metragem uruguaio Gigante, que assiste há algumas semanas em Belo Horizonte. Velha paixão, né? Também, olha o título do blog do cara! Paga-pau de Uruguai? Eu realmente não falaria nada se realmente não houvesse uma identificação muito forte minha com o que é produzido e da forma com que os uruguaios conduzem sua arte na música, literatura e cinema. E em Gigante reconheci mais uma vez o cinema uruguaio falando a minha língua.
Jara é um cara grandão, gordo, calado, de carranca fechada, mas com um olhar bondoso e um sorriso cínico prestes a explodir. Na sala de segurança do supermercado que trabalha, ele controla a movimentação dos ambientes através de monitores ligados às câmeras de circulação interna. E de lá ele que mira Julia, uma funcionária da limpeza que não percebe que está sendo observada. Jara tem uma rotina peculiar: ouvir heavy metal, caminhar, ficar de bóba no sofá e jogar Playstation com o sobrinho. À noite, faz bicos na boate de rock Molotov. Jara é um desses caras que eu e você já devemos ter cumprimentado por aí.
E é esse personagem que dá força ao filme Gigante, que corre numa narrativa lenta, de poucos diálogos e cenas longas. Tudo no ritmo de Jara, que é muito mais que um protagonista, mas um personagem marcante. O diretor Adrián Biniez fez um filme simples, mas rico em referências das relações e da solidão de um mundo moderno. Apesar de ser uma história de amor, ou de um homem apaixonado e amando em silêncio, Gigante é quase uma comédia, não fosse o ar real que o filme passa. O diretor se declarou fã assumido do universo do cineasta e produtor americano Judd Apatow, o que justifica a empatia com um trintão gordo e roqueiro.
Meu amigo Rafael Guedes havia me indicado o filme, que no trailer do Youtube anunciava uma estréia para o dia 22 de maio. Quando assistimos em BH, vimos que o filme, na verdade, estreou em 2009, e foi exibido numa mostra de nome sugestivo: “Mostra passou batido”. No Brasil não houve muitos comentários, mas o filme papou o Urso de Prata em Berlim, o Kikito de melhor roteiro e de Melhor filme da crítica, em Gramado.
Tem outro filme uruguaio que está engatilhado que é o Acne. Saiu na maioria das listas de melhores filmes de 2009 em jornais como Los Angeles Times. Pode esperar que vai virar texto mais pra frente.
Escrevia contos quando estava na faculdade, em Santos. É uma categoria que curto na literatura, mas para mim acabou servindo mais para exercitar minha veia ficcional e a elaboração de enredos. Dos mais de 50 que escrevi entre 1999 e 2003, gosto de uns quatro apenas.
O conto abaixo, Felicidade banguela, foi publicado em 2006 na Revista MTV:
A Felicidade Banguela
Hoje sonhei que meus dentes caíram. Eu soprava e eles voavam da minha boca feito ar exasperado, feito mentex da boca do Didi. Ao acordar, me deparei com uma porção deles em minha cama. Passei a língua pela gengiva e não os senti por lá. Vi sangue sobre a colcha de tecido claro e desesperei. Lembrei da dor que ignorei nos dias anteriores na gengiva, lembrei das palavras da minha avó dizendo - já com sua dentição anulada - que um dia eu ia perder os meus. Na minha casa não havia sequer um espelho que pudesse me mostrar minha versão banguela. Vi o sangue escorrendo pelo meu peito, minha barriga, meu pau. Tinha sangue dos meus dentes no meu pau. Saí em busca de algo que refletisse, qualquer coisa que pudesse me mostrar como eu era. Na TV desligada pude ver apenas as machas escuras caídas da boca, pelo meu peito, barriga e pau. Não me ocorreu mais nada. Não liguei pra ninguém. Fiquei bons minutos pensando no que fazer sem os dentes. No que fazer para ver-me sem eles.
Deitei e procurei dormir um pouco mais. Apesar do desespero, consegui desfalecer. Ao acordar novamente, tudo permanecia igual: sangue e os dentes espalhados na cama. Constatei que dali por diante minha fala assobiaria. Olhei para a cômoda que ficava ao lado da cama e vi meus CDs. Peguei um que não recordo o título. Olhei e constatei minha imagem sem dentes, banguela, sem poder mastigar, só gengiva, só sangue. Era real, perdi os dentes.
Sorri.
Lavei-me, sacudi anti-séptico bucal, penteei os cabelos, coloquei a melhor roupa e saí de casa. Na rua, as pessoas me olhavam com algum respeito, estava bonito. Me senti lisonjeado aos olhares respeitosos. Uma bela mocinha de cabelos negros e curtos, de bolsa tira-colo e peitos que saltavam o top me perguntou as horas. Levantei um pouco a manga do paletó e, cuidadosamente querendo mostrar minha boca, lhe informei as horas com um sorrisão. Ela também riu. Olhei para a frente, suspirei e segui feliz minha nova vida sem dentes. Na volta pra casa, joguei fora a minha escova de dentes. A única pergunta que me fazia era: como é que vou mastigar carne de novo? Lembrei de minha avó e de como ela fazia um gesto engraçado mastigando a gengiva. Lembrei do Costinha também. Pensei que poderia muito bem viver assim, feliz sem os dentes.
Fui a um restaurante e lá pedi um filé para experimentar essa nova sensação. Sempre achei os dentes fossem meramente estéticos. O garçom chegou com o meu pedido. O arroz e salada entraram em minha boca com a aflição e pressa que me era peculiar na hora de comer. Eu comia feio. Não me sentia feliz mastigando exaustivamente pedaços. Cortei o filé em pequenos pedaços e os fui colocando na boca. Sentia o gosto deles no céu da boca, deslizavam com óleo e manteiga. Gostoso. Me senti pela primeira vez bonito ao comer. Ao engolir, a sensação era melhor ainda. E no final de tudo, adeus fio-dental. Não sei como vivi tanto tempo com dentes. Eles incomodam, requerem cuidados especiais e caros tratamentos odontológicos. Sem contar as malditas dores de dente. Sisos servem para ser arrancados. Porque os outros não? Lembrei de uma frase de um escritor famoso que dizia que nem os grandes filósofos, os mais intelectuais e mais sábios do mundo suportavam uma dor de dente.
Feliz sem os dentes. Na hora de beijar seria melhor ainda, preferível se a beijada também for banguela. Só falta isso, arrumar uma boca banguela pra beijar. E viveremos assim, para sempre, felizes sem os dentes.
Quanto mais eu penso que ninguém lê o Cartas Uruguaias, mais recebo janelinhas piscando no MSN ou Gtalk perguntando "o que foi que aconteceu com o teu blog?". E aí eu resumo em tópicos:
Passei oito dias no Recife, cobrindo o execelente Festival Rec Beat 2010. Acho que já falei disso aqui, né? Nem parei pra ler os posts antigos. Mas o fato é que passei quatro dias assistindo a uma programação de shows incríveis de uma curadoria impecável e certeira. Gutie está de parabéns, ainda mais porque chamou as competentes molotovianas Aninha e Tathi para a produção e assessoria de imprensa. O texto sai na edição da revista Billboard deste mês. Mas vou colar aqui meu texto na íntegra:
Rec Beat e seus 15 anos de folia
“O carnaval é uma festa repleta de sensações e o Rec Beat contribui para passar mais sensações como a emoção e a surpresa. Sempre faço minha programação pensando no estado de espírito das pessoas durante o carnaval”. Partindo dessa constatação é que Antônio Gutierrez, o Gutie, traça a programação de um dos festivais mais importantes do Brasil, apostando na diversidade musical, novas tendências e shows que atraem para o Cais da Alfândega todo tipo de folião, do mais atento aos que querem pular e se divertir. Nas noites de 13 a 16 de fevereiro, em pleno carnaval de Recife, o festival Rec Beat comemorou 15 anos de pluralidade, colocando no mesmo palco ritmos como cumbia, hip hop, tecnobrega, blues, MPB, dub, rock, coco, surf music e muito experimentalismo.
Só em um festival que prega tanto a diversidade – o termo mais utilizado e bem aceito dos últimos tempos – é que se pode ver cerca de 30 mil pessoas se divertindo com Gabi Amarantos e a banda Tecnoshow ensinando passos de dança e fazendo o público cantar junto, mesmo que o teclado com a programação do show tenha queimado na passagem de som. Gabi levou o show numa espécie de improviso, ganhando o público cada vez mais, fazendo com que se escutasse o sotaque pernambucano saudando-a com um coro de “diva, diva, diva!”. Mesclou brega e carimbó, cantou música do grupo pernambucano Zé Cafofinho, fez piada, falou do Pará, levantou bandeira e vestiu a personagem recentemente que lhe empregaram de “Beyoncé paraense”. O público olhava com um sorriso no rosto, onde o que mais se estampava era a alegria. E isso é carnaval.
Basta um passeio pelas ruas do Recife Antigo para respirar o clima carnavalesco de uma das cidades mais disputadas nessa época do ano. Com 16 palcos espalhados por Recife – isso sem contar os do interior e da vizinha Olinda – é impossível acompanhar tudo e se programar para ver todos os shows. O público que escolhe o Rec Beat é heterogêneo, mas acima de tudo sabe que é ali que aparecem shows desconhecidos e interessantes, fusão de estilos e novidade. Foi assim que tudo começou, há 15 anos, em Olinda. “A idéia inicial era fazer um palco para mostrar a nova musica pernambucana, mas nunca quis ser excludente, nunca foi um festival para os que não gostavam do carnaval, era mais uma alternativa”, explica Gutie.
E a aposta nas bandas pernambucanas foi sob medida. Radiestae, que apesar de ter enfrentado problemas com o gerador, mostrou uma surf music tradicional e bem ensaiada. Zé Manoel passeou com desenvoltura pela MPB em uma voz suave e afinadíssima. A banda de Joseph Tourton é o reflexo da juventude antenada de Recife, com cinco integrantes muito jovens (o mais velho tem 20 anos) e fazendo um post-rock maduro e envolvente. Volver teve o fã clube mais impressionante do festival, que em um raio de 200 metros do palco 80% das pessoas cantavam suas músicas com devoção. A Diversitrônica trouxe um som moderno, com um baixo puxado por influências de Peter Hook, do New Order, e punch eletrônico feito por uma espécie de dream team recifense. E claro que em um festival que começou levantando a bandeira da música pernambucana não poderia faltar o coco de Adiel Luna e Coco Camará, que abriu para o Mestre Galo Preto, uma das maiores entidades do coco pernambucano. Na saída do backstage, Mestre Galo Preto era saudado pelo público como ídolo, destaque que lhe é de direito.
O espírito carnavalesco que impera no Rec Beat está tanto no público quanto no backstage, com a equipe de produção que incrementa o visual com adereços carnavalescos, como em vários artistas que não perdem a oportunidade de se apresentar com fantasias. Foi assim com o encerramento do combinado Original Olinda Style, na última noite do festival, em que as bandas pernambucanas Eddie e Orquestra Contemporânea de Olinda tocaram músicas dos dois grupos com seus integrantes devidamente fantasiados.
Os finais apoteóticos não ficaram apenas na última noite. Logo no primeiro dia, a banda colombiana Puerto Candelária, que trazia uma mistura de cumbia e jazz com baixo, teclado, sax, trompete e set híbrido de percussão e bateria, fez o segundo melhor encerramento dos quatro dias – o primeiro foi da “diva” paraense. Dos shows de encerramento, Céu foi quem resolveu fazer um show mais calmo e voltado para seus (suas?) fãs. Em uma mistura de dub com MPB, a cantora acabou desacelerando após o show da banda espanhola Ojos de Brujos, que fez o show mais frenético do festival em uma misturada bem equilibrada de rumba, flamenco, ragga, pop e hip hop. E no universo das rimas rápidas e soltas, o mineiro Renegado foi o primeiro a colocar o público para pular, na primeira noite, com um rap que foge dos clichês do rap tradicional. Acompanhado de uma banda bem ensaiada, o rapper teve uma bela camada de groove para destilar apelos sociais, entendidos a cada sílaba proferida. Renegado é um rapper que fez o público do Rec Beat abraçar o amigo ao lado e celebrar a amizade, mostrando que nem todo “mano” precisa ser raivoso.
O Rec Beat 2010 também trouxe ao palco as novas apostas do “novo indie brasileiro”, como Lucas Santana, Stella Campos e Cidadão Instigado. Era quando se aproximava o público de óculos grandes, franjas pelos olhos e camisetas coloridas, que cantavam todas as músicas dos novos artistas brasileiros. Mas dentro do caldeirão de apostas e de bandas novas que fixam sua marca, Fernando Catatau provou que é o artista mais importante de sua geração. Nenhuma outra banda independente com o tempo de estrada do Cidadão Instigado teria a ousadia de fazer o público cantar as músicas de seu mais recente disco, “Uhuuu”, que predominou em 90% do repertório. “Acho que o Cidadão Instigado é a banda que mais representa o Rec Beat”, pondera Gutie, e completa: “O Catatau traz uma depuração de linguagem sonora que remonta o brega, mas traz um show autêntico e original.”. E se é para ser original, misturar linguagens e ser ousado no carnaval, o lugar é Rec Beat.
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Na Obra
Cheguei em Belém e meu sobrinho de quatro anos, o Gustavo, me recebeu com um abração e a declaração "eu estava com saudades de ti, Tio Marcelo". Tem coisa mais legal? O pior foi que uma semana depois embarquei para Belo Horizonte. Eu, Marcel e Rafael - junto com o Doda que aproveitou a proximidade e conheceu Belo Horizonte - fomos antes de nossa reunião com a Conexão Vivo e fizemos uma bela festinha no bar A Obra, do amigo (não-saudoso) Claudão. Festa genial! Foi minha segunda vez n'a Obra. Mas foi legal fazer uma festa da Se Rasgum mesmo, tocando tudo o que a gente toca em nossos eventos. Eu e Marcel tocamos de 23h30 às 7h de sábado para domingo. Divertidaço ver a mineirada estranhando a batida tecnobrega, mesclada com rock 'n' roll, samba rock, versões de músicas cafonas e pérolas indie.
A Obra: o melhor porão do Brasil
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E ontem fiquei meio chocado com a morte de Mark Linkous, do Sparklehorse. Era uma banda que eu realmente curtia muito. Minha banda, a Presidente Elvis, tocava uma música dele em 2000, a chapadaça Happy man. Essa manhã, coloquei a mp3 nos fones e vim andando trabalhar inspirado. Escrevi uma matéria para o site da revista Billboard. Dá uma lida.