Eu
devia ter 18 ou 19 anos na época. Nos anos 1990 tudo o que tínhamos em
Belém eram lojas de conveniência em postos de gasolina, pequenas festas
em casas de amigos - quando os pais viajavam, uma leve queda por poesia e
uma singela coleção de CDs de ídolos extemporâneos. A música, no
entanto, era o combustível que se lambuzava entre latinhas de cervejas e
ervas inocentes.
Eu,
Randy, Gustavo, Vinicius Cohen, Sérgio Bernadelli, Paulo Roffé e mais
uma corja de melhores amigos em processo de formação - e alguns que não
chegaram a tanto mas ainda se mantém no fiel cantinho da memória -
corríamos atrás de pequenos movimentos culturais, heroicas sessões de
cinema que driblavam o circuito comercial e shows. Procurávamos shows de
bandas, cover ou não.
E
graças a esse "ou não", uma ocasião bem marcante se alojou no meu subconsciente numa tarde de domingo, na praça Batista Campos. Já
corríamos regularmente atrás de shows d'A Euterpia e vimos o quão
verdadeiro foi o surgimento daquela banda, que tinha Marcio Pato,
Antônio Novaes (o outrora "Neto Da Euterpia"), Felipão, Dênis, Bruno
Nogueira e Japa em sua primeira formação. O quanto aquela coisa inocente, nascida do tédio em uma
cidade sem uma cena musical tão prolífica quanto a de hoje, poderia ser
tão marcante e ter determinado - sem mesmo que eu soubesse - o que escolheria
para a minha vida.
Naquela
tarde, o comentário era sobre uma garota de 16 anos, recém chegada de
São Paulo, que integraria a banda e dividiria os vocais com Felipão
naquele show improvisado no coreto da praça. Magrinha, linda, tímida,
descalça e com asinhas de borboleta pendurada nas costas, Marisa Brito
metamorfoseou para um caminho que talvez nem ela soubesse também. E virou
paixão, aquela coisa da obsessão e meta de vida. Quando a pessoa nasce para a coisa a
gente sabe. Até os mais céticos se rendem, mesmo que em silêncio.
Marisa Brito tocando no Old School Rock Bar, no projeto Sing Songwriter |
Na
noite de 6 de setembro de 2016, na mais lotada edição do projeto Sing
Songwriter, no Old School Rock Bar, a emoção da primeira apresentação intimista
que vi de Marisa ao vivo me deixou aceso e arrepiado depois de um dia
exaustivo de trabalho - e ainda por cima sem poder beber. Pra mim, na música o que me envolve é a emoção e ver o quanto aquilo é verdadeiro. Isso me ganha de tal
forma que dispenso hypes com uma intolerância que até precisa ser controlada, confesso.
Desculpe
meu francês, mas Marisa canta para caralho. Era pra ser uma resenha
bonita, respeitosa e, diria, até poética. Mas foda-se, desci o nível. É o
timbre incrível atingindo nota por nota, penetrando no coração. É a
interpretação visceral que evidencia uma entrega. É a
escolha de repertório, o sorriso, a simpatia. O ar condicionado mesclando frio e emoção arrepiou ainda mais minha barba com a belíssima Por trás do
desenho - composição em parceria com Ana Clara - e Coração na boca, em parceria com Marcel Barretto e Pietro, com o verso certeiro: "me beije com o coração na boca, nunca com os pés no
chão".
E na mesma noite em que lançamos a programação da 11ª edição do Festival Se
Rasgum vi que minha escolha de vida, meus melhores amigos e
tudo que acontece de bom na minha vida veio da música. As asas da
borboleta me lembraram disso.