Ainda bem que Bin Laden não se confundiu (Foto roubada de algum Facebook) |
Por que diabos Belém? É até com uma certa freqüência que ponho em cheque as apostas e a escolha que fiz na minha vida. Sofro de um certo tipo de inquietude que jamais me faria imaginar que meu lugar seria a minha cidade. A reflexão ficou mais forte de um tempo pra cá depois de conversas longas e sustentadas por mentiras sinceras de quem escolheu viver fora.
Sou uma pessoa inquieta, chata e mesquinha no que diz respeito a se achar mais importante do que realmente sou. Não é a toa que sou amigo de pessoas igualmente inquietas, chatas e mesquinhas no que diz respeito a se dar mais importância do que realmente tem. E, dessa forma, meus grandes amigos foram embora. Os que restaram nessa cidade já experimentaram a sensação de ir e voltar. Mas talvez a questão de voltar seja a que mais incomoda, o xis da questão, a grande dúvida, a inquietação que não tem cura.
Conversas com mães são reveladoras. A minha bate um bolão e me abre a cabeça com verdades que, às vezes, ainda tento rebater com desculpinhas. Ela me confessou que se preparou emocionalmente a vida inteira para me ter longe dela. Ela e meu pai tinham certeza que durante a infância e a adolescência meu lugar não era Belém. Em 1999, meu saco encheu dessa cidade e me mandei para a bela cidade de Santos - que hoje sinto alguma saudade.
Deu 2003, me formei e era a hora de voltar. Um ciclo havia se fechado e eu, definitivamente, não gostaria de iniciar outro lá. Em Belém existia emprego para a minha profissão e tudo o que eu queria era estar perto da minha família, viver as coisas com o olhar de quem viveu só em outra cidade, acompanhar o crescimento do meu irmão e estar próximos de meus velhos amigos – havia deixado novos grandes amigos em Santos que, assim como eu, também não trajavam skate wear.
Foi quando achei que deveria fazer alguma coisa, pois naquele ano, 2003, Belém me olhou de uma forma diferente. Vivo um namoro de mais de nove anos estável, mas com direito a pequenas recaídas, traições e discussões que sempre tentam tornar a relação mais agradável. Vivo em uma decência que criei mesmo com a umidade que faz minha testa escorrer, não me deixa caminhar como eu gostaria e me apresenta uma cozinha peculiar que me engordou um bocado.
Um dia, voltando de Barcarena com o carro em uma balsa - após uma entrevista com o Mestre Vieira, e acompanhado do Pio Lobato, Félix e Renato Reis – cansei da paisagem e fui para o carro tirar um cochilo no ar-condicionado (pois é). Acordei e vi, de longe, o skyline de Belém. Um sorriso particular de canto de boca e uma sensação de conforto. No suspiro que dei, a idéia de que talvez meu futuro não seja essa cidade, mas agora, o pouco que tenho a contribuir vai ser empregado no nicho de mercado que me meti, a música. Foda é sair, crescer e empregar tudo pros outros e ainda calar o sentimento de saudade. Não saberia viver assim. Tem gente que sabe e que até muda o sotaque.
Parafraseando o Cássio Tavernard, me tornei aquele cara que vai até o aeroporto levar os amigos que vão embora. Eles vão e eu fico. Todos eles estão bem e construíram o que tem por mérito próprio, competência e, acredito, pela vantagem de ser alguém de fora que tem uma visão diferente das coisas e que não cresceu na capital mais disputada do Brasil. E em outros momentos, depois dos prazeres que a cidade me provoca freqüentemente, me pergunto: Porque não Belém?
16 comentários:
Sempre tive uma relação problemática com Belém, confesso.
Morei 4 anos fora também, voltei meio sem querer. Esse ano tive a chance de escolher voltar a morar no Rio ou ficar em Belém. Sou apaixonada pelo Rio de Janeiro, e o tempo que morei lá me fez crescer muito como pessoa, mas resolvi ficar em Belém e, principalmente, fazer as pazes com minha cidade natal, a aceitando e tentando extrair dela o que tem de melhor.
Já acho até ridículo quando alguém que é daqui e mora fora começa a falar mal de Belém e dizer que SP é sensacional, por exemplo.
O que sei é que coloquei na minha cabeça que serei feliz aqui por algum tempo. No final das contas, eu amo Belém.
Que texto bonito Marcelo.
Se não quiser voltar sozinho do aeroporto pra casa, estamos aí, amigo Damaso.
Me abraça.
Adorei o texto! Vivo a mesma cena do aeroporto todos os anos... Escolher morar em Belém não significa estar "preso" a cidade, como muitos dos que saem dai alegam, a gente que resolve ficar, sempre pode sair e depois voltar, às vezes até com mais frequencia do que as pessoas que por escolha ou nescessidade moram fora e passam todas as férias no mesmo lugar... Belém!
...e eu que sou da perifa paulista, escolhi Belém, fiz o caminho inverso...
burrice? ou sorte??
acho que é sorte....
Belém, me adote!
No final das contas, é questão de escolha!
Tô passando por isso, de ter feito a escolha de morar fora, fazer mestrado, tentar emprego em outra cidade. Algo que sempre quis. Tô em SP, a capital, que, pelo visto, é opção de 90 entre 91 pessoas formadas em Comunicação de Belém (acaso ou empolgação coletiva?).
Gostei, gosto e até agora não parece que vou deixar de gostar daqui - na verdade, da ideia de morar fora da cidade natal, seja qual for o lugar.
Não que odeie Belém, mas ela definitivamente não preza pelo apreço de seus moradores. A meu ver, não é uma cidade que oferece qualidade de vida, dignidade, oportunidades profissionais (sobretudo na nossa área). Em um ano, conquistei aqui o dobro do que passei quatro anos tentando conquistar na cidade em que nasci e cresci.
Mas admiro, e muito, quem consegue enxergá-la de forma mais compreensiva e otimista. No final das contas, pessoas como tu ajudam a desenvolvê-la e torná-la melhor, Damaso! Mas, vale frisar, não me sinto mal ou culpado por ter uma visão diferente...
Enfim, bom texto. Deste tua opinião sem meter o pau em quem segue caminhos diferentes, sem dizer que todo migrante é empolgado ou quer sentir friozinho do sudeste vestindo moletom da Zara.
Abração!
Beleza, Guto. Valeu pelos comentários.
Só não entendi o lance de Belém não oferecer dignidade. Não consigo pensar que é o lugar que te faz ser uma pessoa digna.
Acho também que essa questão da "conquista" é muito relativa e, em certos casos, amparada por um certo deslumbramento, que é muito natural de quando a gente está vivendo uma coisa nova e quer se convencer de que essa coisa é do caralho.
Tu deves sugar de São Paulo exatamente o que eu sugo e que me faz uma pessoa apaixonada por essa cidade: a informação rápida e o que ela te oferece culturamente, principalmente no cinema - que agora sem o Belas Artes e com a facilidade do download já não é mais uma prioridade.
Na minha vez, em 2003, era Belém que tinha oportunidades. Não conheço nenhum jornalista desempregado por aqui. Aposto que em São Paulo tu conheces uma penca. Mas tudo bem, concordo que temos que relativizar. Mas te pergunto, será que Belém não tem espaço para o bom jornalismo?
Vou postar agora um comentário que o Gustavo Godinho fez no meu perfil do Facebook. Ele realmente foi muito feliz em complementar, de uma maneira madura, minha idéia sobre esse tópico.
Abração, man.
Suerte!
=)
Só mais uma coisa. Concordo 100% com cada palavra da Polly. Uma pessoa que encontro sempre por aqui e que agora está aí, rodando a América Latina atrás de novas experiências para depois voltar pra casa cheia de boas histórias.
E Elvis, tu és foda mesmo, irmãozinho.
Cara, acho que foste muito bem sucedido ao expor tuas ideias sobre esse assunto. Muito mais do que eu, que, ao reler o texto que escrevi sobre isso no ano passado, vejo um ranço desnecessário.
Eu não concordo com quem diz que é Belém que provoca essa ânsia de êxodo da juventude, essa vontade de dar no pé o mais rápido possível. A angústia de querer coisas novas e o sentimento de saturação com a cidade natal acontece em TODO lugar. Em qualquer cidade, pequena ou grande, sempre vai ter alguém insatisfeito. E conheço pelo menos uma dezena de pessoas que não aguenta mais São Paulo, essa cidade tão idolatrada por tanta gente.
O Godinho é ainda mais preciso ao ressaltar a nossa passividade e falta de engajamento. Mas não acho que isso é meio mal de jovem brasileiro contemporâneo, da geração que não conviveu com a hiperinflação e com a época em que se comprava videocassete em consórcio.
Sobre a questão de oportunidades profissionais no jornalismo, não concordo totalmente nem com o Damaso nem com o Guto. Amigão, na época em que te formaste (que foi mais ou menos a mesma que eu), Belém só tinha o curso da Federal. Eram 20 ou 25 jornalistas formados por ano em todo o Pará e todo mundo chegava no último ano do curso já bem empregado. A geração do Guto vive um inchaço muito maior. É gente saindo da Unama, FAP, Feapa, Ipiranga, etc, etc... E o mercado não cresceu na mesma proporção. Então, tem um monte de gente da idade do Guto comendo capim em emprego meia boca aqui em Belém. E se firmar num lugar legal é muito mais complicado.
Ao mesmo tempo, estar em São Paulo não é garantia de aproveitar as melhores oportunidades profissionais que a cidade pode oferecer. Tenho muitos amigos (tanto paraenses quanto paulistanos) que estão bem insatisfeitos: trocando de emprego com frequência, ganhando pouco, pegando frilas sem estabilidade... Guto, se conseguistes conquistar boas coisas aí rapidamente, parabéns! É 30% sorte e 70% mérito.
O que eu não gosto é quando o pessoal que vai embora fica tratando Belém que nem lixo. Acho até desrespeitoso com os próprios parentes e pessoas queridas que continuam aqui. Dizer que a cidade não oferece dignidade? Estamos falando de Belém ou da capital do Haiti? Dizer que Belém não oferece qualidade de vida? É relativo, depende da percepção de mundo de cada pessoa. São Paulo também não oferece, de certa forma. Ou o trânsito paulistano é terapêutico?
Te digo que se eu estivesse fora de Belém enquanto lia esse texto, iria direto do ponto de interrogação final ao site da Gol/TAM e compraria a passagem de volta.
E aí poderia te culpar pela minha volta pra Belém em todos aqueles reconhecidos momentos de crise que temos todos na relação com a cidade.
Por sorte, não carregarás essa culpa. Já voltei. E faz tempo.
E sim, estou contigo de mãos dadas no aeroporto me despedindo e recebendo os amigos. E não, não tenho ainda uma relação bem resolvida com este "destino final".
Acontece que como em todas as relações de amor mal resolvidas, a gente enxerga esse algo que faz sentido e ponto (e que nem é muito fácil de explicar, mas explicaste muito bem!.
Esse algo que mune a gente de muito jogo de cintura, de alguma tolerância, e de olhos bem atentos pra não deixar de enxergá-lo.
Belo texto, amigão. Agora entendi a repercussão. =)
Marcelo, as nossas discussões sobre Belém já renderam muitas horas de conversa a fio, confissões incansáveis.
Morar im Ausland é duro. Lá se vão três anos pra mim, e possivelmente meus próximos três vão ainda ser longe de onde quero ficar.
É engraçado, todas as vezes que digo o que faço, o que escolhi fazer, para alguém em Belém, vejo um semblante de admiração e reconhecimento se formar. E eu sempre me pergunto: "Reconhecimento pelo quê?"
Isso me intriga, pois raramente procuram saber detalhes do que estou fazendo fora do Brasil. Simplesmente não importa. Se eu estou trabalhando fora, se estou estudando ou se me casei com um gringo, não importa. Eu estou na Europa e parece que isso é o máximo.
Eu vejo uma razão histórica e cultural bem clara no que diz respeito a isso. Essa desvalorização do local/mestiço/brasileiro e super-valorização do estrangeiro/puro/nórdico só pode ter raízes coloniais. O interessante pra mim é que quando o oposto ocorre, quando mostro uma foto ou digo por aqui da onde vim, perguntam se estou louca de ter abandonado minha casa quente pra viver na rigidez dessa cidade gelada. Percebi então que equivalente ao sonho brasileiro do Green Card está o sonho europeu de “Retorno à Lagoa Azul”, um fugere urben, um sonho de uma vida numa terra paradisíaca.
Eu vivo aqui a um custo emocional alto, e me pergunto se um dia o título que vou carregar no meu currículo vai de fato garantir um saldo positivo na minha vida.
Ter que aprender a viver um dia-a-dia cheio diversidades, e principalmente ter que me trabalhar pra lidar com elas, talvez tenha me tornado mais adaptável, talvez ultimamente eu trate situações hostis com mais jogo de cintura. Ou talvez eu viva hoje um Into the Wild às avessas, uma jornada de auto conhecimento, fazendo que eu reconheça o que é que eu preciso pra ser feliz.
O meu saudosismo e meu amor por Belém já não são segredo pra ninguém. Meu destino de férias é realmente sempre o mesmo, e até invento férias extras pra voltar a Belém. Não me preocupo em rodar o mundo. O dia em que eu voltar pra casa de novo eu faço isso. Só não sei quando.
Belo texto. E acho que muda o cenário, mas o problema continua o mesmo. Belém, Curitiba, Porto Alegre...
Eu já ameacei ir embora muitas vezes. A tal da inquietação que falas. Mas inquietação passa. E volta. Mas passa de novo. Quase caio nessa história de 'o teu lugar não é Belém'. Mas hoje, menos inquieta, penso: o nosso lugar é onde a gente está e pronto. Aqui, ali, no sul, no norte. Foda-se. é qualquer lugar. Ser ninguém no meio de tantos alguéns, ou ser mais um no meio de alguns ninguéns? Tanta gente vai embora em busca de sabe-Deus-o-que e deixa um buraco enorme em Belém. Quem reclama que Belém não tem nada, não oferece nada, não faz absolutamente nada pra transformar isso. Simplesmente foge. Você é uma das pessoas que fica e tenta transformar. Belém é chato, vou inventar isso. Trabalhar com sir Bonna me fez entender que podemos ter inúmeras possibilidades de negócios aqui, basta querer. Ele conhece mais países, mais lugares que qualquer outra pessoa que conheço e não, nunca quis ir embora. Sabe o que ele diz? "vou embora de Belém todo ano a hora que eu quero e volto. O nome disse é férias'. E ele volta cheio de ideias e as aplica. Belém tem qualidade de vida SIM. Aqui eu posso chegar em casa em 20 minutos e pegar o maior engarrafamento do mundo de 40 minutos. Eu posso gastar pouco pra me divertir e me divertir muito. E posso trabalhar razoavelmente e ganhar legalzinho pra me levar pra fora do cenário inúmeras vezes. Eu não sou dessas que levanta bandeira vermelha com a faixa branca do 'viva o Pará. eu amo Belém'. Eu amo Belém. Não morro por ela. Mas sou feliz pra caralho morando aqui. Me mudaria, sim. Sem problema. Mas esse não é o cerne do sucesso indubitável. E hoje não passa pela minha cabeça trocar minha rotina por outra definitivamente.
Não existe fórmula e nem lugar para o sucesso. O que realmente existe e, na verdade, deve-se levar em consideração é aquilo que se almeja para o seu próprio futuro. Nenhuma cidade é perfeita, ainda mais quando se mora em um país como o Brasil. Mas, cada cidade é capaz de se encaixar naquilo que você quer viver.
Já sei quem vai me levar no aeroporto quando eu for embora de vez!
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