Cheguei na cozinha um pouco antes do almoço. Meu pai estava sentado e lendo algo que me parecia muito familiar para minha mãe: “Angela, sua peidona, tu morreu pra mim. Porra, Maicon!”. Era um bilhete que escrevi no auge do que posso chamar, hoje, de minha primeira paixão. Foi por Angela, a vizinha de sete anos que ao invés de me escolher para perpetuar em mim uma passagem inesquecível pela infância escolheu o Maicon, meu amigo de nome acabocado e que, maldito seja, tinha nove anos já. E eu apenas sete.
Preferi atribuir minha perda a idade, achando que Angela só queria Maicon por ser dois anos mais velho. Mas da capa de loser me restou uma caneta afiada na mão e muita emoção para despejar em meus desafetos. Mandava ver e jogava recados pela rua. Esse papel meu pai pegou, para minha vergonha na época e para seu deleite eterno. Na cozinha, ele e minha mãe cagavam-se de rir. Eu, quando cheguei, dei uma olhada no bilhete, que ainda tinha um desenho fajuto de um coração flechado, e entrei na gargalhada, que foi calada segundos depois, quando lembrei que Angela morreu naquele mesmo ano, em um acidente de carro com a família. Todos sobreviveram, menos meu anjo.
Naquela caixa havia mais petardos de um coração despedaçado e uma tentativa forçada de ser um escritor. Tudo eu escrevia. Havia desenhos também, presentes para os pais e cartas de amor que nunca foram entregues ao destinatário. E talvez não tivesse que ser assim. Acho que o melhor destino de tudo aquilo era caixa que meu pai carrega e se reabastece de emoções de vez em quando.
Ficamos na sala lendo e rindo de tudo. E entre a papelada velha e colorida, que também tinha cartas engraçadas da minha irmã, meu pai guardou minhas redações da escola. Senti orgulho de ver uma redação corrigida pelo professor com uma observação no final, elogiando minha evolução e apontando para um estilo próprio de escrita. Foi quando me perguntei se realmente segui o caminho certo e se minha estrada não era a de um escriba mesmo. Cada dia que passa tenho mais certeza de que meus investimentos pessoais se inverteram.
Nunca vou saber para onde teria ido, no que teria dado ou o que seria o certo. De qualquer forma, acho que a estrada ainda existe e me faz olhar para ela de vez em quando. Tenho a impressão de que acertei em algumas apostas e deixei de jogar outras partidas. Sem esse papo de deixar na mão do destino, mas às vezes é melhor acreditar no que era pra ser.
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