sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Na mesa do fundo



Chegaram quase na mesma hora. Ele gostou do cabelo dela. Ela o achou mais bonito. Ele fez questão de estar bonito. Deixaram as chaves dos carros nas mãos dos manobristas e aguardaram na ante-sala próxima ao balcão da recepção. Escolheram aquela mesa no fundo do bar para evitar cumprimentos sem graça aos fãs e paga-paus de plantão. Ele veio de uma temporada de sucesso no exterior e ela sustentava o mesmo glamour de televisão dos últimos oito anos.

- Que engraçado a gente vir nesse bar. Aliás, seu cabelo está melhor assim, curto.
- Obrigada. Quanto ao bar, escolhi de propósito.
- Ué... qual propósito?
- Bem, esse cenário é a nossa cara, a nossa história.
- Pois é, essa é a questão. Que história?
- Porra, vamos começar assim essa conversa?
- Não, não. Desculpa. É que quando você mandou aquela mensagem falando para a gente se encontrar, achei que era algo mais casual, mais “e ai, quais as novidades?”.
- Bem, era pra isso sim. Só queria estar em um lugar que tivesse mais a ver com a gente.
- Tudo bem, coisa de mulher.
- Pois é, coisa de mulher. E então, e como está esse sucesso todo na Europa?
- Bem, as revistas brasileiras exageram.Você sabe muito bem como funciona.
- É, eu sei. Mas aqui só se falava no teu sucesso na Europa. Os jornais estavam viciados no teu nome.
- É, minha assessora me manda todas essas notícias.
- Ahn... assessora. Ainda é aquela moça?
- Sim, é ela. Não precisa mais se referir a ela como “aquela moça”, né? Já passou tanto tempo.
- Mas eu sabia que estava certa.
- E você sabe que aquilo não significou nada.
- Pode não ter significado, mas é que ela foi a primeira depois de mim.
- Eu sabia que você sentiria ciúmes. Devo admitir que eu sabia que isso te incomodaria.
- Ah é? E contratou ela só pra me fazer ciúmes?
- Claro que não, né? Essa tua mania de se dar mais importância do que tem. Eu estava precisando de uma assessora na época e ela estava desempregada.
- Mas depois você foi lá e comeu ela.
- Ah, mas foi uma vez só, coisa de bêbado.
- Duvido!
- Mas ora ora. Que porra de cobrança é essa? Esqueceu do que tu fizeste pra mim?
- Lá vai. De novo isso?
- Claro! Parece que tu esqueceste, né?
- Não, eu não esqueci e já te pedi desculpas.
- Eu fazendo aquele papel de palhaço indo te encontrar naquele hotel.
- Caralho, eu te disse! Estava em um momento muito confuso da minha vida.
- Sabia que fiquei um bom tempo odiando hotel na frente da praia?
- Que bobagem.
- Bobagem? Bobagem? Eu ficava esperando o interfone anunciar a tua chegada. Esperava três batidas na porta, abrir e te ver. Mas fiquei ali, consumindo todo o álcool daquele frigobar e atirando garrafinhas de dose única no mar. Até o sol eu odiei!
- Credo. Se eu soubesse que iria escutar isso tudo de novo não teria mais te chamado.
- É claro, é porque você detesta se confrontar com seus erros e ter que admitir!
- O que mais tu queres que eu faça? Já pedi desculpas. Te chamei pra gente conversar. Porra, será que tu nunca vais superar isso?
- A merda é que depois de ti demorou muito para eu me recuperar.
- É? Pois pareceu que superou rápido!
- Na verdade superar foi fácil porque a decepção foi grande.
- Eu sei.
- Depois de ti eu não me apaixonei por mais ninguém. Saia com umas mulheres sem pedigree, gente desclassificada. O ano que se seguiu depois daquilo foi terrível.

Duas garotas interrompem a conversa. Perto delas, um menino abicharado segura uma máquina fotográfica digital para tirar uma foto delas com o casal. Eles, esbanjando a educação que o celebritismo os deu, sorriram como se aquela fosse a tarde mais feliz do mundo. Pediram até para ver a foto. Na hora, os dois constataram que aquela vida de sorrisos, abraços e etiqueta era uma farsa. Seus sorrisos nunca denunciariam que aquela conversa estava carregada de emoções ruins.

- Se isso for para a internet eu to fudido.
- Porque, é tão ruim assim ser visto comigo?
- Não, mas meus amigos e, principalmente, a minha namorada não vai gostar de saber que eu te encontrei.
- Ah, tens uma namorada?
- Sim, tenho. Mas ela não mora aqui.
- Eu não sabia disso.
- E porque precisava saber?
- É, tem razão.
- E teu casamento, como está?
- Tá indo bem. A gente se diverte muito.
- Legal... porque será que eu não acredito nisso?
- Porque te faz bem achar que estou na merda.
- Ou porque eu sei que você cria verdades para estar por cima?
- É, já chega. Parei. Vamos pedir a conta.
- Não precisa esperar a conta. Pode ir, eu pago.
- De jeito nenhum quem vai pagar sou eu.
- Beleza, vamos disputar agora quem é mais cortês.
- ...
- ...
- O tempo não apaga mesmo, né?
- Apagar não apaga. Foi um furacão que me arrastou pra bem longe, mas deixou cicatrizes.
- Adoro as tuas metáforas.
- É meu ganha-pão.

Riram.

- Será que a gente pode começar essa conversa de novo?
- Pode sim.
- Mas você ainda vai continuar jogando coisas na minha cara

Ele pensou em sacanagem, mas respondeu sério.

- Não, não vou. Desculpa.
- Tá, tudo bem, desculpo.
- Caralho...
- O que foi?
- Lá estou eu pedindo desculpas por uma coisa que tu provocaste.
- Pronto, tudo de novo.
- Não, beleza. Esquece...
- Tá, vamos recomeçar.
- Tá, vamos pedir a carta de vinhos.
- Humn, é um entendedor de vinhos agora, chique!
- Pelo amor de Deus, “chique” é expressão de puta pobre.
- Esse teu humor... se eu não te conhecesse bem acharia que isso é pra mim.
- É, mas você conhece. Na verdade, é bom estar perto de alguém te conhece bem. Faz tempo que não tenho isso.
- Tá ouvindo o que está tocando agora?
- Sim. Está naquela fita que gravei, né? Que bom saber que músicas cafonas te fazem lembrar de mim.
- Pelos menos elas tem uma função positiva.
- O poder da música pop.
- Lembro sempre que escuto ...
- Sempre?
- Sempre.
- Eu lembrei de você outro dia também, quando deixei a janela aberta.
- Ele entrou de novo?
- Entrou.
- Não esqueço desse dia. Foi uma surpresa quando ele entrou, ficou ali olhando pra gente e viu tudo.
- E depois voou...
- É, depois voou.

Um comentário:

Jornal Relevo disse...

Olá, Marcelo. Tudo bem por aí? Meu nome é Daniel Zanella, edito um jornal mensal de crônicas aqui em Curitiba chamado Relevo.
Você tem um texto antigo chamado Pelo Amor meia-boca. Gostaria de saber contigo se tens interesse em republicá-la em nosso periódico?
Um grande abraço.
Ah, o nosso contato é jornalrelevo@gmail.com De repente, nos falamos mais por lá.
Daniel Zanella