Me despeço dos dias de agonia que anteciparam o 4° Festival Se Rasgum, evento que a cada ano me faz questionar minha insistência na música. As batatas da perna estão duras, assim como o pescoço que ficou dias e dias tenso e aperreado.
I
Tudo começou em dias de noites calmas dominadas por playboys e sem muito espaço para quem queria dançar ao som de Pixies e Autoramas. Era 2003 e eu havia acabado de voltar a Belém depois de quatro anos em Santos, vivendo a atmosfera surfwear de um lugar completamente inóspito para a minha alma.
Voltei afim de onda. E Belém tinha o Randy, o Dudu e o Gustavo. E aquelas noites de cerveja gelada, cigarros e histórias de bebedeiras, maconheirice e de juventude anos 90 nos levou a suscitar uma festa de rock em Belém. Eu e Randy fomos atrás do local, achamos, negociamos, fechamos data e eu coloquei uma nota no jornal. Todos os nossos amigos foram. A última música da noite foi The Concept, do Teenage Fanclub. Pagamos as despesas, a conta do bar e voltamos felizes para casa sem saber o que fazer.
II
11 de junho de 2005, dois anos depois. Wander Wildner andava pelo quintal do Café com Arte (casa que desbravamos no final de 2003) e me falava do quanto aquilo o lembrava o Garagem Hermética, de Porto Alegre. Do lado de fora, muitas pessoas ainda insistiam em pagar a mais pelo ingresso para adentrar a casa que já estava com a lotação máxima. O show foi uma hora e meia da voz e da guitarra de Wander, e terminou com a banda local Stereoscope o acompanhando em três hinos dessa geração. Com o piso balançando, cerca de 300 pessoas cantavam “Eu tenho uma camiseta escrita eu te amo”, um dos maiores hinos dessa geração.
Wander voltou a Belém no primeiro Festival Se Rasgum – ainda intitulado Se Rasgum no Rock – fez tolice e só entrou no palco depois que eu o convenci. E lá estava armado o circo. Belém recebia pela primeira vez um evento que misturava guitarrada, lambada, ritmos quentes e rock ‘n’ roll.
III
No carro, o ar-condicionado refrescava pouco. Olhava para cima e via nuvens, mas acreditava que naquela noite o céu não desabaria, como na noite anterior.
Eram 10h de sábado, 14 de novembro de 2009, e eu andava pelo bairro de Nazaré telefonando feito louco para arrumar um motorista para uma van que consegui com o Governo. A cabeça e as pernas doíam e eu tinha que ir até Icoaraci depois da noite anterior, uma sexta-feira 13 marcada pela correria de colocar para funcionar o primeiro dia de um festival com 10 bandas ansiosas por um palco. Como o caminho era longo, pude recordar da noite anterior em que a Nação Zumbi entrou no palco antes da hora – pois tinham um vôo às 5h – e deu aos fãs o que eles queriam: sucessos de Chico Science, a guitarra de Lúcio Maia e a batida dos tambores pernambucanos. Mas o que tinha naquela sexta-feira 13 de tão especial estava além de uma headline.
Lembrei da boa vontade da galera do Bonde do Rolê em encerrar a noite após o show explosivo de Gaby Amarantos e seu Tecnoshow; do amigo Jesus Sanchez se divertindo no palco com seus amigos Loco Sosa e André Abujamra no Gork; da parceria acertada entre Pro.efx e Arcanjo Ras; do powerpop “teenageano” dos Baudelaires; do folk pop do Elder e seu Ataque Fantasma; das vibrações positivas emanadas pelo Juca Culatra e seu fodérrimo power trio; do som bem feito e sofisticado dos mineiros do Dead Lover’s Twistted Heart; e da diversão promovida por Tatá Aeroplano e seu Cérebro Eletrônico. No final da noite, não acreditava que ainda estava no começo. Fiquei ansioso para que aquilo tudo acabasse, como fico todo ano.
E então o sábado chegou, aquelas nuvens eram só ameaças e a noite correu maravilhosamente bem com os cinco primeiros shows de rock: Aeroplano, Dharma Burns, Radiotape, Johny Rockstar e Milocovik. A garotada já tinha entrado no clima e todos os shows foram bons, com aquela garra de segurar os 30 minutos no palco dando o melhor de si. Sempre funciona e garante apresentações fantásticas. A outra metade da noite foi dedicada à diversidade que assumimos descaradamente.
Marku Ribas e seu samba pesadaço que despensa overdrive iniciou a nova fase. Foi com o Pinduca que vi que aquela escalação funcionou. Não que o show tenha sido algo escandaloso. Foi um show normal, um show de Pinduca. De perto da housemix vi a moçada dançando o carimbó envenenado de Pinduca e se entregando de uma vez por todas à música regional de uma forma que deixa qualquer produtor orgulhoso pra caralho de fazer um festival em Belém – ainda que o público pirangueiro insista em ser a maioria. A mesma alegria que toma conta quando vejo um veterano idealista e cheio de princípios como Ras Bernardo dançar e cantar alegremente ao lado do Digital Dubs e de B Negão.
Mas foi no show seguinte que realmente pude constatar que aquela noite era mágica. Fomos criticados por alguns fãs de música da moda de colocar bandas que não estão mais em evidência no festival. Era o que diziam da Comunidade Nin-Jitsu, que se apresentou pela primeira vez em Belém e fez o melhor show da noite na minha opinião. O rock ’n’ roll da guitarra SG de Fred Chernobyll, os samplers de funk e a tiração de onda de Mano Changes colocaram o African Bar para dançar freneticamente. Mano Changes percebeu o espírito do Se Rasgum e declarou: “Isso é que é um festival com um público bom, sem preconceitos e sempre disposto a curtir todos os estilos”. Era isso mesmo, Mano Changes, era isso que eu queria que todo mundo entendesse. Belém tem um público foda, aberto a vários estilos e talvez o melhor que já tenha visto. A noite ainda teve Música Magneta (que já falei aqui) e Pato Fu, com todos aqueles sucessos e a simpatia peculiar de mineiro.
Nosso domingão rock vingou. Apesar da queda dos Retrofoguetes (uma das bandas mais esperadas por mim), a noite foi de grandes surpresas: Hablan Por La Espalda e Godzilla; de venerar o novo (Amp, Clube de Vanguarda Celestial, Sincera e Inverso Falante) e de respeitar os mais velhos (Delinqüentes, Stress e Velhas Virgens). E o Matanza? Bom, o Matanza é sempre o Matanza – de entenda como quiser.
Minha pernas ainda doem. O saldo geral foi legal. Ainda estou sem saber o que achar disso tudo, como se estivesse parido mais um filho e sabendo como vou criá-lo, mas ainda curtindo o final da gestação. Não é hora de comemorar vitória, mas deitar a cabeça no travesseiro e saber que, no final das contas, até que deu tudo certo.
Os uruguaios do Hablan Por La Espalda
Gork é o novo rock
Eu quero ter um milhão de amigos
Praça de alimentação
Comunidade Nin-Jitsu está de volta!
11 comentários:
o público de belém é foda!
Fiquei arrepiada cara! Foi um festival lindo!! Todos os shows foram sensacionais!!! Sem exceção! E um público como bem disse o Maurício "foda!"
Já to com saudade do clima de festival, e do festival mesmo! Parabéns cara! Vcs também são foda!
Texto maravilhoso que me fez sentir saudade do festival e do clima entre amigos, diversão e música.
Não temos muita intimidade, mas eu te admiro, Damaso, pois a gente sente que o que você faz vem do coração.
Beijos.
O povo adora falar mal de Belém, mas aqui em Porto Alegre pude ver o Gig Rock e o aniversário da Rádio Ipanema (que podem ser considerados os maiores festivais de rock da cidade), e posso garantir que as festas da Se Rasgum são muito mais do caralho.
Marcelo, o Festival desse ano foi o melhor estruturado de todos. Cansei de falar isso nos tres dias. Nao ficou devendo nada para outros pais afora. O ecletismo musical foi o ponto forte. Fora os gostos pessoais de cada um, que preferem algo e nao curtem outra coisa, a 4ª edição foi do caralho. Parabens!
bicho, eu sempre vou para os festivais com medo, medo de curtir bandas que eu falei mal. engoli meu chapéu com o cérebro eletrônico, irei encomendar o disco deles, por 75 pilas, e vem com uma camiseta!
De arrepiar o texto!
cara,
me senti no festival de novo!
muito bom!
[nessas horas que me dá vontade de trabalhar em uma produtora hauhauihauui]
"Apesar da queda dos Retrofoguetes (uma das bandas mais esperadas por mim)" [2]
saldo geral: a melhor edição
parabéns
gostei :)
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