segunda-feira, 21 de abril de 2008

Amor na ponta do escovão

A menina de 17 anos voltava da escola para casa em um ônibus junto a uma amiga gorda. O ar melancólico que carregava se confundia com o astral natural da cidade. Poderia ser tristeza, assim como tédio. O ônibus também transportava passageiros que vinham do trabalho ou iam para qualquer lugar que os fizesse mais vivos – um curso de música, informática, universidade ou a casa de um amigo ou namorada. Sorrisos são tão incomuns e conversa entre dois passageiros mais raras ainda.

Em um sinal fechado, limpadores de parabrisa festejavam qualquer coisa. Irônica a euforia de quase-vagabundos do lado de fora, lutando por qualquer centavo em uma tentativa digna de ganhar dinheiro. Havia mais sorrisos do lado de fora do coletivo do que dentro. Num gesto espontâneo e de uma malandragem fora do comum na capital uruguaia, um dos limpadores de parabrisa estende o escovão e desenha um coração na janela da menina e de sua amiga gorda. Um sorriso tímido, avermelhado e tentando conter pudores deu àquele trabalhador informal uma nova graça ao dia. Talvez fosse um galanteio comum, mas que trouxe uma vida nova ao olhar dos passageiros do bonde. Pessoas se olhavam com um sorriso de surpresa que parecia raro naquela situação.

“Não se assuste, pessoa, se eu te disser que a vida é boa”. Gal Fatal cantava no fone. Há cenas reais que nenhum videoclipe ou cena de filme são capazes de reproduzir.

Em Montevideo, as pessoas parecem não se importar em terem sido esquecidas pelo mundo. Com o sexto maior índice de suicídio do mundo, existem gestos que renovam o ser humano, mesmo que seja por alguns minutos.

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