quarta-feira, 28 de abril de 2010

Caiu na rede já era

 
Cheguei no hotel, joguei a mochila no quarto e troquei de camisa. Tathi Nunes, minha grande nova amiga de todos os tempos, me esperava no hall do hotel, que ficava a duas quadras do Parque Municipal de Belo Horizonte, o ponto de encontro de quase todas as noites de abril na capital mineira. Era lá que os dois palcos, montados em pontos estrategicamente distantes, forneciam ao público os melhores nomes da MPB atual. Uma MPB sem restrições, sem vícios, que não segue regra e mistura guitarras com efeitos longos de delay com rimas nordestinas e letras bem amarradas no bom e velho “estilo Chico”.

Lá no Parque Municipal, cheguei e dei de cara com Iva Rothe Já no palco. Mesmo sendo da mesma cidade da cantora, nunca havia visto um show dela. É uma voz bonita, um trabalho bem feito e uma cozinha de excelentes músicos. O bróder Pio Lobato, que acompanhava Iva junto a Príamo Brandão (baixista) e Vovô (baterista), se apresentou no mesmo palco depois de Iva. Deu orgulho dos paraenses. Até porque, no mesmo dia em que Elza Soares se apresentou como convidada da banda paulistana Sandália de Prata, foi no show de Pio Lobato que vi os primeiros passos de euforia no público mineiro.

O primeiro dia deu para entender bem o Conexão Vivo. Público curioso por novidades, inquieto, assim como o projeto. A articulação que o Conexão Vivo projeta, no entanto, vai mais além do que simplesmente colocar artista bom no palco. 



  Olha que beleza de Paque! Foto de Marco Aurélio Prates

Na primeira noite, depois de um jantar na Cantina do Lucas, voltei papeando com Tathi andando pro hotel. Logo na entrada, quando eu apalpava meus bolsos atrás da chave, Tathianna alertou tardiamente - depois de já ter me devolvido horas antes após cair do meu bolso: “é melhor você deixar a chave do hotel na portaria. Vai acabar perdendo”. Tarde demais, já era. Nada que uma multa e um cartão de crédito não resolvam no check out.

O hotel era o Dayrell, apelidado pela galera de “From Hell”. Bonitão, clássico. Mas estilo “O iluminado”. Classe! Lá estavam Fernando (revista Noize), Ad Luna (Show Livre), Felipe (Stereoclipe), Leonardo Linchote (O Globo), Leo Fernandes (Diário do Pará) e as bródi Tathianna e Ana Garcia (Coquetel Molotov). Era essa a trupe que almoçava e jantava unida e dava apelidos bons para hotéis clássicos.

No clima de tentar acompanhar tudo, mas sempre com a impressão de estar perdendo alguma coisa, fiquei de quinta a quarta-feira na capital mineira a convite do festival onde produzi matéria, observei atentamente os detalhes de produção, de marcas (A Se Rasgum, produtora que faço parte, fará edição paraense do mesmo evento), palco etc.

Nas noites que se seguiram, vários shows importantes passaram por aqueles palcos. Wado, Eddie, Romulo Fróes, Cabruêra e Cassim & A Barbária representam bem a nova música brasileira, mas é sempre no Cidadão Instigado que a coisa toma força, que a música independente brasileira mostra em que pé estão as coisas. Por mais que Eddie seja um grupo consagrado, responsável pela história do mangue beat, que tenha hits como “Quando a maré encher” e que seja um show com presença de palco incrível; por mais que Romulo Fróes seja a grande revelação dessa MPB indie com cacife de lançar um álbum duplo espetacular; por mais que o Cabruêra tenha sido, de fato, a maior surpresa do festival para mim; por mais que seja fanzaço das composições de Wado; por mais que tenha me esforçado e só tenha conseguido pegar a última música do badalado Cassim & A Barbária; por mais... Não tem jeito, o que há de mais original, genuíno e moderno na música brasileira atual é a trupe de Catatau.



Toca Pink! Toca Raul! (foto de Dila Puccini)
 
O Cidadão Instigado é a mente de Catatau, com suas referências de rádio FM que acompanharam qualquer ser humano, por mais indie que tente ser. Bart, amigo meu de lá, ouviu o comentário de um cara sem muita informação (da técnica) de que o som do Cidadão Instigado era “uma mistura de Pink Floyd com Raul Seixas”. Por mais que isso irrite os mais fanzocas das três coisas (Cidadão, Raul e Pink), a comparação caiu como uma luva de tão pertinente. Vamos lá, Raul era mais sagaz nas letras. Mas Fernando Catatau joga suas “viagens” nas letras que beiram a ironia, mas que parecem mais reflexos de serenas constatações. Ele fez o mesmo show que vi no Rec Beat, tocando 90% do repertório do disco “Uhuu”, o terceiro de sua recente carreira. E fez o público cantar. E pular. E vaiar o apresentador depois que saiu do palco e que os pedidos de “mais um” não foram atendidos. Lá em Belo Horizonte existe um público que conhece muito bem o que está rolando por aí e sabe se impor. Foi bonito de ver.

Dei umas bandas por lá com meus amigos do Dead Lover’s Twistted Hearts. Fomos a uma festa num cineclube muito interessante. Filme rolando na tela, pubzinho lá atrás com sonzeira anos 60 rolando e gente elegante dançando.

Andei pela cidade de busão também numa tarde de sexta. Vi que tinham uns indies que desceram na mesma parada que eu. Estava indo ao cinema no shopping Pátio Savassi e vi a galerinha de óculos rayban, camisa quadriculada e cabeleira arrepiada em uma pequena fila. Era o show do Placebo que rolaria naquela mesma noite. Se fosse no final dos anos 90, aquele poderia ter sido até o motivo da viagem. Mas não dessa vez. Agora é hora de música brasileira.

 É, teve espaço pra ver uma banda gringa. Agent Orange back to the future.

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