sexta-feira, 22 de abril de 2011

No soup for you


Essa primeira vai sem legenda, beleza? Tô com sono.


“She said suicides easy, what happened to the revolution”, Berlin – B.R.M.C

“She is a model and she’s looking good”, Das model - Kraftwerk

“Da da da”, Dadada - Trio


“Vamos lá, é a casa de um amigo meu brasileiro, o Fábio. Mas vai ter um colombiano, um chileno e uns alemães”. Foi o convite que Rodrigo me fez quando eu ainda não havia completado nem 24 horas em Berlim. Minha chegada foi um silencioso passeio de trem e metrô apedrejados por pequenos choques culturais que me deparava a cada estação percorrida. Lembrei de Christianne F., claro. As estações de metrôs tinham aqueles azulejos, os punks, as pichações e a sujeira eram daquela Berlim underground que o filme tarja-preta me apresentou há cerca de 20 anos.

Pessoas comendo na rua e se fudendo todas com sujeira ao redor da boca, andando, paradas e esperando o trem, acompanhadas de seus cachorros e com bicicletas nos vagões. Ainda teria uma semana para me acostumar e achar aquilo tudo natural – “relativizar, como diria meu professor de antropologia cultural Darrel Steven Champlin - mas a liberdade que me deparei ali teve o seu charme do primeiro impacto.

Quando ainda estava achando que seria isso a noite toda

De qualquer forma, para uma noite de terça-feira a pedida de Rodrigo ainda era perfeita. A casa de Fábio era em um desses prédios com muitos jovens, desses que arriscam uma vida independente sem muito glamour, mas com um certo estilo. Seu apartamento, inclusive, era típico de um jovem que vive seus dias de liberdade, dono de suas vontades e nem um pouco afim de colocar as coisas em ordem “pra receber umas visitas”. Foi uma daquelas cenas em que imaginei sair um rato punk do meio das roupas que estavam no chão. Senti um certo alívio quando disseram que íamos descer para jogar poker no porão, ainda que não soubesse jogar.

O porão, na verdade, era uma sala com dois sofás, um sonzinho, uns amplificadores encostados por ali, junto a uma mesa de som e outros brinquedos que indicavam que naquela sala existia alegria. No começo, ainda meio tímido, optei por não jogar. Rodrigo me acompanhou na platéia, ainda que naquela altura ele já temia que estivesse me metido numa tremenda roubada. E estava tudo caminhando para isso. Até que alguém falou do “kicker”, o pebolim, o totó. E então fomos ao porão. Dessa vez um porão de verdade, um lugar legal e aconchegante com uma bela mesa de pebolim. 

O porão mais divertido de toda a Alemanha
 
Começamos só os dois. Depois os outros enjoaram do poker e desceram pra jogar também. Eu sempre achei que jogava bem totó, até ter que jogar contra um alemão. Ali fiz par com os brasileiros e com o chileno, mas era sempre um alemão que ganhava. Às vezes na humilhação, jogando dois contra um. Depois fui saber, eles são mestres nisso, completamente viciados em “kicker”. Foi apenas a primeira noite. Voltamos bêbados e satisfeitos pra casa, respirando com alívio pela brincadeira e sucessivas derrotas terem salvado a noite.

Memorial do Holocausto

Passei uns dias andando pela cidade com minha amiga Renata Rath (amiga, anfitriã e esposa de Rodrigo) pela cidade. Pedia penico quando ela mentia o número de quadras que faltava pra chegar em casa. Conheci uma cidade linda e ligeiramente assustadora. Fui a um único museu, o do holocausto. Saí de lá pesado. Na verdade, “pesado” é um adjetivo apropriado para a capital alemã, seja nas suas ruas sujas, no tratamento interpessoal objetivo (para não dizer ríspido), no clima etílico que a cidade respira, na história que ela carrega em seus muros, esquinas e sotaques e no seu submundo, que pude conhecer bem pouco vendo pelo canto dos olhos os viciados em heroína nas estações mendigando um troco para tomar um pico. Berlim é uma cidade agitada, jovem e com um ritmo frenético. Quem tem fôlego mergulha, quem não tem puxar um ar na superfície e dá uma mergulhada de novo. Meus planos iniciais eram de apenas sete dias. Estiquei para dez.


DOMINGO NO PARQUE

Nunca mais tive um domingo tão bom quanto o de 17 de abril de 2011. De manhã, andei longas quadras até o Mauerpark. Lá, um Mercado de Pulgas com quinquilharias, discos, livros, camisetas, robôs, invenções, loiras geladas, frias e de pernas de fora. O karaokê foi um episódio particular, desses que nem vale a pena falar, afinal, é só um karaokê. Mas é um karaokê ao ar livre com cerca de cinco mil pessoas aplaudindo, cantando junto, bebendo cerveja e se divertindo, representando um autêntico domingo no parque. E a noite terminou em um belo jantar num restaurante russo acompanhado dos familiares de Renata, entre eles seu pai, um senhor divertido e de bom papo.

Playmobil é um brinquedo perigoso
 
Acácio, amigo de Belém que agora vive em Berlim injetando fé no sonho indie em ter uma banda lo-fi, me acompanhou no White Trash numa sexta-feira. O bar, de donos americanos, atrai todo tipo de turista. Vimos uma banda inglesa no subsolo da casa. Bandas inglesas costumavam ser as melhores para mim. Agora acho que elas pecam pelo exagero no cuidado e profissionalismo. Apesar de ser um lugar de turistas, o White Trash é um dos bares de decoração mais carregada e apinhado de figuras excêntricas que já vi. Voltei sozinho no dia seguinte. Assisti mais uma banda ruim, mas a discotecagem da DJ no subsolo conquistou a mim e a todos os turistas bestões. Claro, jogar uma seqüência de clássicos e colocar uma garota pra fazer isso é fórmula de sucesso. Voltei pra casa cambaleando, vi um homem atropelado ser recolhido pelos paramédicos e, oh homem, eram muitas luzes.

Só coloquei essa foto de turista porque essa tá bonita pra cacete
 
Teve também uma tarde de terça no Gorlitzer Park. Se mede o nível de vagabundagem de um povo pela quantidade de gente que se estende pelos gramados de seus parques em plena terça-feira. Lá estava Acácio, seus amigos americanos mentaly retards e o Gil Yonezawa, o japinha meachuta de Belém que havia acabado de chegar e já estava manguçado quando eu cheguei no parque. Brincaram de frisbee, de chutar uma bola de um lado para o outro. Numa dessas, a bola caiu perto do Gil, e eu pensei “nah, duvido que ele vá matar no peito do pé e dar aquele lançamento colocado”. Claro que não, deu um torto e desmunhecado saque de vôlei. Aquele que bate a bola por baixo ainda. Seria como esperar o Clint Eastwood estrear “Priscilla, a rainha do deserto 2”.


BLUES IS THE TEACHER. PUNK IS THE PREACHER



Numa quinta-feira deixei a casa de maus amigos, que já recebiam outros amigos cheios de cervejas, para conhecer um inferninho cheio de alemães que parecem ter saído do elenco de vilões dos filmes escrotos com o Liam Nelson. Lá em Kreuzberg, no SO36, cheguei bem na hora para assistir à banda californiana The Bellrays, de quem eu tenho um CD que curto um bocado. Aquela entrada tímida no palco e a recepção fria do público alemão deixou a banda apenas esquentar as válvulas. Depois, sua apresentadora, uma negona com aquele vozeirão - que só elas têm – começou a provocar o público. “Será que eu vou ter que fazer tudo essa noite? Vamos fazer barulho, minha gente!”. O Bellrays parece uma daquelas bandas em que três vagabundos que não queriam nada com trabalho faziam um som sujão na garagem da mãe de um deles, e que sua vocalista, gordinha demais para os padrões e doidona demais para o coral da igreja, se juntou aos vagabundos e sem querer criaram uma mistura especial de rock garageiro com soul, que eles apelidaram de Rock & Soul.

E todas as vezes que voltava para a casa de Rodrigo e Renata via aquele cartaz tosco do The Soundtrack of Our Lives e pensava “porra, ficou ou não fico?”. Fiquei e fui ao show em plena terça-feira, no mesmo cenário punk rock sujão, em Kreuzberg. Não antes de comer o que ficou marcado como meu último kebab. Não foi uma despedida dolorosa, pois o arroto que me perseguiu a noite inteira me fez prometer que ali em Berlim eu não comeria mais aquilo. 

Não estou afim de fazer resenha do show do The Soundtrack of Our Lives. É uma banda foda. São da Suécia. Tem um gordo bonachão no vocal, um guitarrista foda que dá aqueles chutinhos de Pete Townsed e um tecladista que não para quieto no banco e agita pra caralho. O público era de gente mais velha, comportada e que agitava com um discreto balançar de pescoço. Aquilo sim é uma maneira digna de se envelhecer.

O vocalista é uma mistura minha com o Arturzão

Tem mais uma coisa: Win Wenders mora na Torstrasse, a avenida onde estava hospedado. Nem preciso dizer que andava mais do que precisava por aquela rua na esperança de ver o velhote. E eu juro ter visto o ator Matthew Perry, o Chandler de Friends, gravando um especial de TV em um café que eu estava. Mas aí já seria demais, né?

Coca-cola com um sabor especial

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