Um daqueles raros dias de sol e céu azul de Londres me recebeu em uma manhã de domingo. Era a última e mais esperada cidade do meu percurso, e apesar da patada que recebi no serviço de informações de uma velha rabugenta, os ingleses sorriram pra mim. No metrô que me conduziu até Stamford Hill - bairro habitado em sua maioria por negros e judeus ortodoxos, uma senhora sentada à minha frente sorria por pura simpatia e se preocupava com sua estação. Em Stamford Hill, no condomínio Lewis Garden, reencontro uma grande amiga da adolescência que mora há quase 10 anos na cidade da rainha. Keyze está casada com Jason, um inglês típico que carrega no semblante aquele cinismo característico do humor inglês. Jason também trazia algo muito típico e que ficou marcado como a melhor característica dos ingleses, a educação e gentileza.
Só foi preciso um passeio por East London, uns três litros de cerveja em um pub e a primeira noite em Camden Town para perceber que aquele era o topo da montanha. Tive a grande sorte de ser acompanhado pelo Leo, amigão recente que resolveu estender sua aventura por um mês em solo inglês, dando uma pitada ou outra Alemanhas e Espanhas afora.
Olhaí, o Pink Floyd começou tocando nessa biboca |
Despreparados para o frio, eu e Leo caminhávamos pelo bairro de Camden Town de camiseta normal, sem mangas, procurando um pub para beber antes. Achamos um e ficamos alisando a proposta. A boate Koko, uma das boates mais famosas e com uma programação incrível, acabou se tornando uma corajosa escolha naquela noite que estava ficando gelada e era a minha primeira por ali. Voltar para a casa de ônibus era o que mais me afligia, e o que acabou sendo um episódio marcante nessa noite.
Na parada, às 2h30, capuzes na cabeças, gente embriagada gritando e um ou outro que passava ali tirando barato com quem estava esperando o ônibus. Se fosse comigo não poderia fazer nada a não ser dar covardes sorrisos amarelos ou entrar na porrada. Mas aí lembrei dos Hooligans e gelei. Depois vi uma menina que me pareceu a imagem perfeita do que Keyze e Jason haviam me dito sobre Londres ser uma cidade segura. Uma jovem inglesa de sainha elegante, salto alto e camisa dos Misftis chegou na parada comendo batata frita e sem dar a mínima para os encrenqueiros e doidões da parada. Eles, por sua vez, nem mexeram com ela. Ela, por sua vez, acabou sendo uma das inglesas mais lindas que vi por ali, não sei se pela segurança que parecia ter ou pelo figurino completamente errado.
No ônibus que entrei uns negões que divertiam a todos na parada de ônibus queriam entrar e pagar para o motorista em dinheiro. O motorista, em sua seriedade inglesa, não aceitou dinheiro. Rolaram palavrões, gestos de beijos em partes intimas e mães de motorista foram citadas pelos caras que desceram do ônibus rindo e animaram – pelo menos naquela parada - a tediosa viagem para os que já estavam no bumba. Confesso que no primeiro dia, descendo às 3h da madruga numa rua em que o silêncio incomodava, me deu um certo cagaço. Mas cheguei ali no apartamento e desabei no colchão, dormindo feito um baby... um baby bear, como diria Jason.
Turnpike Pub, era afim de beber aí mas sempre gelava |
Escolhemos nosso lugar em Camden Town, o pub The Elephant Head. Foi justamente em uma segunda-feira em que, já tarde da noite e sem entrar no espírito londrino de voltar cedo para casa, resolvemos procurar encrenca no bairro rock. Brasileiro não consegue disfarçar nunca sua origem. Pode ter olhos claros, se vestir com roupas inglesas e tentar um ou outro vocabulário de rua, mas no final dá pra arriscar sem medo um “é brasileiro?”. E foi assim que um paulistano e sua namorada nos deram a dica de alguns lugares por ali.
O pub que nos indicaram não nos apeteceu e resolvemos tomar uma cerveja no Barfly (que posteriormente soube que se tratava de um lugar clássico em Londres), que tinha o segurança mais gentil que conhecemos por lá. No pub, uma bela DJ selecionava clássicos do rock para umas 30 pessoas que dançavam como se não houvesse amanhã. Fui ao balcão pegar dois pints. Peguei enganado duas sidras, sentamos na mesa e as pessoas saíram. Assim, como mágica. E ainda tivemos quie virar a sidra. Achando que a noite estava correndo pelo ralo resolvemos voltar ao The Elephant Head. Lá estavam várias pessoas bebendo, inclusive o brasileiro que nos indicou a podreira. Antes tivesse falado que existia “A cabeça de elefante”. E lá fomos felizes por bons fins de noite durante a semana, que se completava com um fish & chips no restaurante da frente.
Noites que se seguiram e o bairro roqueiro nos jogava sempre em nossos lugares favoritos. O caminho de volta para casa era fantástico, adorava sacar os tipos diferentes nos ônibus. Indianos, muçulmanos, brasileiros, franceses e uma pluralidade étnica que circulava naquela cidade dava a ela um ar de ser de todos. E isso era fascinante.
Feriadão em uma segunda e as ruas estavam assim |
Além de ser o centro de todas as tendências e o quartel general do mercado musical, Londres estava naqueles giros em que nos apontavam um ou outro beco em que Jack O Estripador fazia suas lambanças, ou em Baker Street onde Sir Arthur Conan Doyle colocou Sherlock Holmes e Watson para seguir umas pistas furadas, ou no parque Hyde em que grandes shows de DVDs que eu e você temos em casa ou mesmo na maldita faixa de pedestres em frente ao Abbey Road Studio, que para o trânsito com turistas que armam a capa do disco clássico do quarteto de Liverpool. Não fiz isso, mas tinham quatro brasileiros que encheram o saco para a minha amiga tirar a foto e tivemos que ouvir buzinas furiosas em uma manhã de quinta-feira. Imagino que aquela vizinhança deva odiar os Beatles. Não os culpo.
No Hyde Park com Keyze e Leo |
Não quero ficar falando o que todos sabem sobre Londres. Mas senti algo como se ela já estivesse aparecido para mim em sonhos ou devaneios, e aquilo fez com que eu, estranhamente, me sentisse em casa. Sensação que até hoje só tive em Montevidéu.
Na volta, ao entrar no taxi que me levaria a Luton, o taxista perguntou “Do you know Bin Laden?”, no que respondi um “Yeah, sure. He is a popular guy”. Ele arrematou “He was killed last night.” Uau, minha passagem em Londres foi marcada por uma data história.
Ah sim, estava lá também durante o casamento real, do Willian e Kate. Mas vocês não querem saber disso, né?
Se era para fazer alguma caboquice no Abbey Road Studio, fiz essa |
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