terça-feira, 1 de julho de 2008

*Último Affair

Sua atitude foi desafiadora, tirou a calcinha e o chamou para ir ao banheiro daquele restaurante, de onde acabará de vir. Flávio recusou. Era a sétima vez que eles tentavam reatar o namoro que aquela década desgastara. Ana olhava provocativa, insistindo para que Flávio aceitasse. Ela sempre conseguia. Flávio tentou todas as vezes resistir, mas sempre cedia e acabava dando o que Ana queria. Dessa vez não, decidiu. Essa mulher, pensava ele, não pode ser humana.
Mas ela era, infelizmente. E, assim como ele, tentava remediar suas noites solitárias em que ficava na frente da TV deitada fumando cigarros e recusando ofertas de encontros que recebia no dia-a-dia. Flávio sofria da mesma doença, mas procurava manter-se ocupado, trabalhando dia e noite, jogando tênis e, driblando o cansaço, ainda se dedicava a reprodução de vídeos clássicos em seus dois aparelhos VHS. Dormia nas melhores cenas. Ana não arrumava subterfúgios, trabalhava de manhã, fazia ginástica à tarde e, depois do café de início de noite na casa da mãe, apenas recorria ao lamento e melancolia de sua solidão na frente da TV, variando entre séries e novelas. Ana era sexual, mas só. Flávio ocupado, mas tenso. Foi assim durante idas e vindas e um namoro que eles concluíam que não ia progredir, mas demoravam para admitir um fim.


Sempre se reencontravam, telefonemas que buscavam apenas "saber como você está". Era conflituoso, esperançoso e feliz, carregando todos os apetrechos de uma ilusão.

Um gole no uísque, uma colherada no pudim. Se olhavam. Ela sorrindo maliciosamente. Ele travado e racional. Lembrou das indecências no pé do ouvido. Sentiu o cheiro mais uma vez. Ela queria, ele também.

Não foi.

Pagaram a conta e se despediram.

Ela foi para casa e decidiu nunca, mas nunca mais voltar a sair com ele.
Ele deitou-se em sua cama, olhou para o teto e bateu uma punheta. No final chorou.

Aquela foi a última vez que eles se viram.



*Escrito em 2002 e publicado, em outra versão na época, no site Scream&yell.

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