sábado, 3 de maio de 2008

Renée remains the same

Montevideo, 2 de mayo de 2008.

3h13 p.m



Oi Renée.

Já te falei que muitas coisas que vejo por aqui me lembram de ti. É meio óbvio porque a primeira vez que estive por essas bandas foi contigo e desbravamos, timidamente, uma porção de lugares que eu jamais saberia que serviriam de referência para o resto da minha vida. Essa noite encarei uma experiência legal, Renée, acho que você seria a coadjuvante perfeita para estar ao meu lado. Talvez pelo mesmo gás de querer assistir shows, ver o comportamento musical e se deixar levar pelo lema de que cada cidade é guiada por sua música. Você não deve saber, mas acho que esse é nosso grande combustível. A música e sua cidade. Muito do que ela quer dizer está nas entrelinhas dessas coisas que a gente, desprevenido, acaba enxergando.

Me meti num lugar completamente diferente de tudo o que conhecemos, no charmoso bairro de Prado. O lugar se chamava Teatro Del Prado e abrigava a primeira noite do festival Pradorock Underfest. Demorei um bocado para chegar lá, pois fiquei em casa vendo DVDs, revisando texto, ouvindo música e tomando bourbon para estar no horário que havia marcado com Emilio, meu amigo uruguaio. Daí que eu peguei um táxi e me mandei para o Prado, atrás da casa do Emílio. Lá, sua adorável mãe disse que ele estava “enfermo”, com tosse e dor de garganta, e que não poderia me acompanhar. Com o taxi esperando, segui para o teatro.

Francisco, o taxista “buena praça” que me conduziu ao recinto, marcou de me esperar às 2h30 na saída. Eram 20 para a meia-noite e eu não botei fé que ele voltaria. Aí paguei minha entrada e me deixei levar. O foda é que o táxi havia custado caro demais, cerca de 26 reais aí no Brasil, e eu achei que a volta custaria o mesmo montante – se não fosse sobre as quatro rodas do Chicão. Paguei a entrada do evento, pela mísera quantia de 90 pesos (nove reais), e adentrei ao Espacio Cultural La Criolla. Lugar incrível, Rê. Lá longe um palco, devidamente estruturado para receber qualquer banda um pouco acima da categoria independente – que a gente bem conhece. Amplificadores JCM-900 da Marshall e vários outros cabeçotes que o Dudu ficaria louco se visse (esse garoto precisa dar umas bandas por aqui). Na platéia, bancos de cimento que remetiam à lápides milimetricamente enfileirados por todo o campo. Comportaria fácil duas mil pessoas. Mas as 200 que estavam ali devem ter achado aquilo muito divertido, pois ao invés das passagens normais, andavam por cima dos bancos. Os apoios eram do governo de Montevideo e da cerveja Pilsen. Me instalei em um lugar onde não pudesse ser importunado e assistisse à todas as apresentações numa relax, numa tranqüila, numa... você sabe.

No palco, duas garotas apresentavam as bandas e falaram o nome da primeira, Nada Que Hacer, que meteu um Eleonor Rigby no cabeçalho. Fiquei meio puto na hora. “Porra, vim de lá da casa do caralho ver festival de banda cover!?”. Daí perguntei para a moça da portaria e ela me garantiu que eram bandas autorais. A versão não ficou ruim, no final. Mas eu ainda estava me acostumando com a situação e não vidrei no espetáculo logo de cara. Daí a banda começa a emplacar a segunda música do repertório. “Put´z, legal, heim?”. Um rato uruguai que estava por perto gritando “Misfits”, me perguntou se a banda El Umbral já havia se apresentado. Disse que acabara de chegar e aquela parecia ser a primeira apresentação da noite. De fato era.

E não é que a primeira foi a melhor de todas as quatro? Quinteto. O vocalista era o visual do Robert Plant – só que empunhando uma guitarra – com a alma do John Lennon (se é que isso é possível). E o resto da banda eram garotos mais novos, remetendo às ultimas formações dos Engenheiros do Hawai. O tecladista, por sinal, parecia ter sido catapultado do Jesus Jones e ficava rodando o teclado com dancinhas que, sinceramente, não tinham nada a ver com a banda. Mas foda-se, eu estava curtindo. O rato uruguaio não parava de sacanear a banda e, lá pela quinta música (quando eu já estava achando o som deles do caralho!) comecei a ficar puto com o desgraçado. A banda mandou ver uma porrada de músicas legais, que remetiam facilmente a uma influência do quarteto de Liverpool. Daí o Robert Lennon me encerra com “una cancion de Neil Young”. Nos segundos que antecederam os primeiros acordes, decidi que se fosse Old Man eu iria aos prantos. Para a minha sorte não era. Claro que era Rockin’ in the free world, mas com a elegância de mandar ver uma versão castelhana entoando o refrão: “Quieren los otros libres”. Bem licença poética mesmo, mas deixa eles... Aplaudi entusiasmado.

Dando pinotes de frio fui comprar uma cerveja. Na pressa, entendi que uma cerveja custava 60 pesos (seis reais). Me decepcionei. Tudo estava lindo até então. No balcão, sem entender, vi o cara me servindo três long necks de Pilsen em três copos. A ficha caiu, eram seis reais por três copões de cerveja. Perfecto, non? Enfiei uma rapidola e me mandei para o acento acimentado com os outros dois copos, o suficiente para ver as outras três apresentações punk-hardcore – uma com ensejos de ska – e achar tudo mais do mesmo. No entanto, parecia que eles tocavam para oito mil pessoas. Festona, Renée, festona!

No horário marcado saí e vi Francisco acenando com os faróis do táxi. O danado realmente cumpriu o combinado. No carro, ele me disse que Francisco, aqui, tinha o apelido de “Pancho”, como “Chico” no Brasil. “Belê, seu Pancho, buenas noches. Suerte”.

Daí subi pra te escrever.

Um beijão


Marcelo Damaso


p.s: publiquei isso no blog no mesmo momento em que enviava para o seu e-mail. Espero que não se aborreça com a falta de exclusividade.


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